Da mesma maneira que A Comédia dos Erros é o aprendizado de Shakespeare em Plauto e na comédia neoclássica, Trabalhos de Amor Perdidos é seu aprendizado em relação ao elegante drama de John Lyly dos anos 1580, ao baile de máscara da corte, e às convenções da poesia lírica de Petrarca. A peça utiliza às palavras com cuidado e de modo estilizado a um ponto que é incomum até para um amante de trocadilhos como Shakespeare. O humor é abundante nas tiradas vivazes pelas quais os juvenis atores eram especialmente adequados, e uma grande porcentagem dos papéis eram atribuídos aos garotos: quatro mulheres e uma pequenina pagem (Mote) entre dezessete papéis nomeados. As configurações sociais e os entretimentos são aristocráticos. De algumas maneiras, pouco parece ocorrer em Trabalhos de Amor Perdidos. Um roteiro ágil é substituído por uma estrutura que inclui uma série de debates sobre temas da corte que relembram John Lyly: amor versus instrução, arte versus natureza. As músicas e sonetos compostos pelos cortesãos para as damas (4.3.23-116) graciosamente caricaturam os excessos da convenção de amor Petrarquiana (nomeados de acordo com o influente sonetista Italiano, Francesco Petrarca); os amantes estão “doentes até a morte” por causa do amor não retribuído, eles catalogam os charmes de suas orgulhosas damas, expressam suas emoções esquisitamente torturadas através de metáforas poéticas elaboradas e assim por diante. Os movimentos de palco relembram, frequentemente, às mascaradas; os personagens agrupam-se e então pareiam-se dois a dois, como em uma dança formal. Máscaras reais e desfiles, apresentados pelos cortesãos ou planejados para a diversão deles, são ingredientes essenciais do espetáculo.
Entretanto, abaixo da superfície brilhantemente polida dessa comédia sofisticada, frequentemente encontramos relances de uma candura e uma simplicidade que compensam o ornamento e a purpurina. A argúcia, por fim, renega (com algumas qualificações) sua perspicácia, e as damas confessam que tentaram, também, com muito entusiasmo, vencer os homens; ambos os lados repudiam às posturas extremas que eles tentaram arduamente manter. Os palhaços, apesar de desanimados com o riso zombeteiro por suas inocências e pomposidades, desanimam os cortesãos, em troca, pela falta de compaixão destes. Dessa interação entre várias formas de argúcia cortesã, Petrarquismo, pedantismo, e discursos rústicos, emerge um estilo recomendado que é espirituoso mas não irresponsável, assim, cortês mas sincero, polido e ainda livre da afetação ou do ornamento verbal vazio. Essa nova harmonia é adequadamente expressa por Berowne e Rosaline, cuja busca espirituosa por autocompreensão no amor antecipa àquela de Benedito e Beatriz em Muito Barulho por Nada. A expressão perfeita do estilo verdadeiro é encontrada na música no final da peça; tomando a forma de um debate literário medieval entre a Primavera e o Inverno, ela funde belamente o natural e o artificial em uma visão concordante que transcende o mundano.
Como A Comédia dos Erros, Trabalhos de Amor Perdidos é uma comédia de início de carreira difícil de datar com precisão. Ela foi publicada in quarto em 1598 “como foi apresentada ante Sua Alteza no último Natal” (1597). O texto também apresenta-se como “novamente corrigido e aumentado,” apesar de não conhecermos nenhuma versão anterior impressa. Talvez uma peça com alguns anos de idade poderia necessitar de revisão estilística. O Ato 4, de fato, contém duas longas passagens duplicadas, sugerindo que uma certa quantidade de reescrita ocorreu. As revisões alteram o significado apenas levemente, entretanto, dando pouco suporte à noção amplamente defendida, que Shakespeare deve ter retrabalhado o final de sua peça. O final sem resolução, na qual nenhum casamento ocorre e onde as reivindicações territoriais da Princesa a Aquitaine são deixadas pendentes, não deve ser considerado como inacabado, mas como altamente imaginativo e, de fato, indispensável. O título, sobretudo, nos assegura que os “trabalhos de amor” serão perdidos, e a Princesa afirma o princípio de “forma confusa” (5.2.517).
Alguns testes estilísticos sugerem uma data entre 1592 e 1595, apesar dessas características poderem apontar para uma peça anterior que foi “novamente corrigida e aumentada.” Hipóteses tópicas surgem da busca das fontes de Shakespeare. Desde que o enredo de O Trabalho de Amor Perdidos não é derivado de nenhuma fonte literária conhecida, ela pode ter sido retirada da cena Elisabetana contemporânea, cutucando divertidamente pretensiosas figuras literárias e intelectuais tais como John Florio, Thomas Nashe, Gabriel Harvey, Sir Walter Ralegh e George Chapman? Ou devemos buscar significado tópico na indisputada atualização de tais nomes como Navarra (Henrique de Navarra, Rei Henrique IV da França), Berowne (Biron, o general de Henrique IV), Dumaine (De Mayenne, irmão do Católico Guise), e outros? Do ponto de vista da datação da peça, entretanto, tais nomes seriam repugnantemente controversos em uma comédia cortesã depois de 1589. Esta data viu o início de um amargo conflito civil na França entre o Católico Guise e o Protestante Navarra, continuando até Henrique renunciar ao Protestantismo, em 1593, e assumir o trono Francês. No final dos anos 1580, por outro lado, o diminuto reino de Navarra pareceria charmosamente apropriado como um cenário para a peça de Shakespeare. Tal data anterior, apesar de não ser completamente certa, ajudaria também a explicar suas técnicas anteriores de versificação: a alta porcentagem de linhas rimadas em dísticos e quartetos, o verso branco com sentido terminando no final de cada linha [end-stopped], o uso de várias formas de sonetos e de sete dísticos (setenário), e assim por diante.
O mundo de Trabalhos de Amor Perdidos parece sem eventos em primeiro lugar e notavelmente não ameaçado pelo perigo ou pelo mal; apenas indiretamente às lembranças da mortalidade penetram à utópica Navarra. Existem, de fato, referências ocasionais ao acamado pai da Princesa, a praga, e a uma “cabeça da morte,” mas os cortesãos e nós como audiência estamos pouco preparados para a aparência repentina de Marcade, em 5.2, e seu anúncio que o pai real da Princesa está morto e que todos os entretimentos joviais devem agora dar lugar ao luto. Antes desse momento de reversão tardio, os personagens masculinos são ameaçados por nada menos do que a perda da dignidade por quebrarem seus juramentos. E apesar de a quebra de juramentos ser uma matéria de grande seriedade aos cavalheiros Elisabetanos, o fato de eles os quebrarem aqui é parcialmente desculpado pela constância de suas devoções a partir do momento que eles apaixonam-se. Em tal mundo artificial, a preservação do amor-próprio assume uma importância exagerada. Usando o critério da argúcia e da autoconsciência, Mote e Boyet, como manipuladores e controladores dos pontos de vistas, mostram-nos como rir ante a tolice no amor e a pomposidade na linguagem. Eles nos apresentam variações sobre o tema do comportamento cortês, criando, com efeito, uma escala de maneiras, variando do mais aristocrático (o Rei e a Princesa, Berowne e Rosaline) aos mais absurdamente pretensiosos (Armado, Holofernes, Nathaniel e Dull). Quase todos os personagens são zombados, mas aqueles nos níveis mais baixos da escala são especialmente vulneráveis porque eles são grosseiramente não-autoconscientes e, por isso, impossíveis de ensinar.
O Rei e seus companheiros merecem à ridicularização, por causa de suas transparentes faltas de autoconhecimento, suas afetações, e a futilidade de seus votos contra o amor. Como Berowne concede desde o início, tal oposição ao amor encontra-se em desacordo com um ritmo fundamental natural que geralmente não pode ser contrariado – um ritmo que provê um contraponto e um corretivo ao ritmo frequentemente artificial da vida cortesã. Esse ritmo natural declara a si mesmo por toda a peça, até tornar-se fortemente insistente na morte do pai real da Princesa e nos resultantes doze meses de procrastinação dos casamentos.
A oposição hipócrita ao amor está fadada à falha cômica e à punição satírica. Os dispositivos básicos usados para expor essa hipocrisia são as cartas desviadas e os discursos ouvidos por acaso, ambos dispositivos de revelação. Apropriadamente, as jovens damas administram seus mais engraçados castigos merecidos ao descobrir os homens por detrás das máscaras Moscovitas. O código governando esse alegre conflito é o de “zombaria por zombaria” e do “esporte para derrubar o esporte” (5.2.140,153). Em uma metáfora legal predominante, os jovens homens são culpados de renegar seus juramentos escritos, e devem ser punidos pelas suas perjuras. O amor é metaforicamente uma guerra, um cerco, uma batalha dos sexos na qual a mulher sai praticamente ilesa. A linguagem do amor é uma de defesa e ataque (com ocasionais tons indecentes). Os homens naturalmente são desapontados ao serem postos para baixo pelas damas, mas estão no caminho para a cura: eles aprendem a rir de suas próprias pretensiosidades e, mesmo que hiperbolicamente, juram colocar de lado toda a “afetação” e a “insultante ostentação” em favor dos “ruborosos sins e os nãos honestos das roupas” (linhas 403-16). Ao mesmo tempo, a renúncia de Berowne à linguagem engenhosa é colocada na forma de um perfeito soneto de catorze linhas; Shakespeare está dos dois lados.
Os tipos mais grosseiros são, geralmente, mais vitimizados pelas suas afetações. O fantástico Don Armado, como amante de Jaquenetta, uma moça da roça, imita às convenções da corte dos aristocratas, os quais a companhia ele aspira. Enervado pela paixão vulgar, escrevendo cartas deploráveis de amor, e venerando uma mulher que trabalha com laticínios como se ela fosse uma deusa inaproximável, ele é uma caricatura do amante Petrarquiano. Geralmente, entretanto, as afetações dos personagens cômicos têm a ver com a linguagem, em vez do amor. O próprio Armado é conhecido como um criador de frases, “um ornamento de penas”, um “galo ao vento”: “Você já ouviu melhor?” (4.1.94-5). Sua carta à Jaquenetta, lida em voz alta para a diversão da Princesa, é uma paródia esquisita do estilo exagerado de John Lyly, chamado Eufuísmo: “Devo merecer teu amor? Talvez. Deve cumprir teu amor? Talvez. Devo rogar teu amor? Eu irei. O que tu trocarias por farrapos? Túnicas. Por pingos [tittles]. Títulos. [Titles]. Por ti? A mim” (80-3). Aqui vemos as antíteses repetidas, a estrutura balanceada (refletida também na estrutura da peça), e os efeitos aliterativos que intoxicou muito da sofisticação literária dos anos 1580. Num espírito similar, outros tipos cômicos são distinguidos pelos seus hábitos verbais: O policial Dull pelos seus xingamentos (antecipando Dogberry e Elbow); Holofernes pelos seus Latinismos, definições filológicas e epítetos variados; Nathaniel por sua consideração a Holofernes como um companheiro dos livros; e Costard pela sua amigável mas iletrada confusão em relação a tais termos grandiosos como “remuneração” e “recompensa” (3.1.167-71). O humor atento às palavras da peça nos dá paródias de embaraçosos versos ruins (como no “extemporâneo epitáfio sobre a morte do cervo”, de Holofernes, 4.2.49-61), trocadilhos irritantes (enfranchise, one Frances, 3.1.118-19), e a maior palavra Latina que existe (honorificabilitudinitatibus, 5.1.41)
Um pouco desses tipos de coisas perduram muito, e cenas ocasionais de confronto verbal são exageradas. Shakespeare tenta os dois caminhos, revelando a autoconsciência linguística enquanto ri de seus excessos. Contudo, os personagens autocentrados compreendem que o exagero verbal, como a postura Petrarquiana, deve ser colocada de lado em favor do decoro e da franqueza do discurso. Sempre haverá “estilo”, mas ele deve ser um estilo apropriado. Os personagens cômicos, em seus melhores, ajudam a enfatizar esse mesmo ponto. Costard, especialmente, é abençoado com uma sabedoria popular pragmática e simplicidade que o capacita a manter-se resoluto às damas e aos cavalheiros. Ele não hesita em dizer à Princesa que ela é a “mais espessa e mais alta” entre as damas, porque “verdade é verdade” (4.1.48). Sua paciente descrição de Nathaniel no papel de Alexandre como “um pouco além de suas capacidades” serve como uma gentil repreensão as suas argúcias, as quais as cáusticas observações em “Os Nove Valores” tornaram-se incontroláveis. Mesmo Holofernes justamente repreende, antes de retirar-se confuso como um Judas Macabeu, que “Isso não é generoso, nem gentil, nem humilde” (linha 626).
Mesmo se a autoconsciência estilística torna a leitura cansativa em alguns momentos, a peça pode ser maravilhosamente engraçada no teatro. Ela provê numerosas oportunidades de piadas visuais que revelam-se nos personagens cômicos, que são engraçados mesmo quando suas piadas são fracas. Por toda essa dívida ao drama cortesão de Lyly nessa peça, Shakespeare a modelou para as demandas de uma audiência popular. Talvez a maior fonte de diversão esteja na representação de Shakespeare da guerra dos sexos. Em nenhum outro lugar ele nos dá personagens masculinos que são tão consistentemente confundidos e atormentados pelas mulheres. As jovens mulheres sabem, desde o início, quem elas são e quais homens elas estão atraídas; nós nunca vemos as mulheres apaixonarem-se, pois elas evidentemente já tomaram suas decisões. Os homens, por outro lado, atrapalham-se absurdamente entre uma postura não elegante e outra, do fútil asceticismo à curiosidade, paixão, traição de seus juramentos, tentativas de ocultar suas paixões uns dos outros, e colapso de todo o fingimento quando eles são pegos. Eles ainda terão que se resolver com suas próprias emoções e devem ser ensinados – e torturados – pelas autocentradas jovens damas. Os homens estão no mais absurdo quando, tendo confessado estarem apaixonados, eles agora rivalizam um contra o outro na vanglória de suas respectivas amantes, esforçando-se para ver quem irá ser bem-sucedido primeiro. Nunca passa pela mente deles que eles podem ser rejeitados agora que eles anuíram apresentarem-se como pretendentes.
O baile de máscaras do Ato 5 é, assim, um dispositivo pelo qual as mulheres podem testar e mesmo humilhar os jovens homens, para mostrar a eles quão volúveis e descontroladas são as novas emoções não-familiares deles. O final incompleto da peça expressa um processo inacabado: os jovens homens devem aprender à autorreflexão madura, antes de serem considerados valorosos como maridos. Ironicamente, as jovens mulheres transferem aos homens os mesmos tipos de exercícios de celibato e autoentendimento que os homens pensaram estar comprometendo-se no início da peça. Nesses termos, também, podemos ver que alguns personagens do subenredo da peça são variações do tema da loucura masculina no amor: Costard é o camponês confiante, enquanto Armado é o abnegado aristocrata. Armado exagera toda a tolice que os homens aristocratas experienciaram e, no Ato 5, é adequadamente o centro de um absurdo desfile, através do qual ele torna-se o bode expiatório cômico. Assistindo sua performance no desfile dos “Nove Valores”, os jovens aristocratas podem rir das absurdidades da postura masculina e da autodegradação que eles estão agora, vagarosamente, aprendendo a controlar em si mesmos.
Sobretudo, então, é o final inesperado da peça que introduz um inestimável novo insight na frágil guerra de argúcias dos cortesãos. A morte do pai da Princesa traz todos de volta à realidade, à responsabilidade sóbria, a uma consciência que o casamento requer uma meditada decisão. O Tempo Devorador entra no parque utópico de Navarra. A canção no final, apropriadamente na forma de diálogo ou debate, nos dá as duas vozes da Primavera e do Inverno, amor e morte, carnaval e quaresma, para relembrar-nos que a felicidade e a autocompreensão humanas são complexas e perecíveis. E a música também nos relembra, em sua “arte viva”, daquele sutil poder da imaginação, que transforma o tempo, o amor e a morte em criações artísticas.