Coriolano pode ser a última tragédia de Shakespeare. Mesmo que a evidência externa de sua data real seja escassa, o estilo sugere um momento por volta de 1608. Se assim o é, a palavra final de Shakespeare sobre o destino trágico da humanidade é desiludida, irônica, quase anticlimática, similar a suas tragédias Romanas e clássicas, em vez de suas tragédias malignas (Hamlet, Otelo, Rei Lear, Macbeth). Shakespeare baseou Coriolano nas Vidas dos Nobres Gregos e Romanos, de Plutarco, na tradução de Sir Thomas North. Como nas peças anteriores presumivelmente baseadas em Plutarco, Júlio César, Timão de Atenas e Antônio e Cleópatra, e nas não-Plutarcanas Tito Andrônico e Tróilo e Créssida, o mundo político antigo de Shakespeare é um mundo de constantes reviravoltas. Nos choques das ideologias, a turba plebeia tresanda de um ídolo para o próximo, e os homens fortes elevam-se brevemente, somente para serem suplantados por rivais. O resultado da ininterrupta mudança é o impasse político. Os grandes homens do mundo antigos parecem fascinantemente vivos para nós, mas eles também parecem cegos por suas próprias limitações, fatalmente orgulhosos e confinados pela circunstância. Suas virtudes e defeitos são inseparáveis e, de fato, frequentemente idênticas, pois as virtudes privadas servem pouco para esses heróis trágicos na arena amoral e impiedosa da política. A natureza deles não pode alterar-se facilmente de uma predileção para uma catástrofe, e então as suas quedas procedem inexoravelmente do que Aristóteles, escrevendo sobre a tragédia Grega, chamou de erro trágico, ou defeito, ou hamártia, em seus personagens. O final, irônico em vez de catártico em seus efeitos, deixa-nos com uma impressão de desperdício trágico.
Coriolano captura admiravelmente esse conflito que divide à nobreza pessoal da realidade política. A peça retorna a um problema político que foi estudado anteriormente em Júlio César: a rivalidade na Roma antiga entre as formas republicanas e absolutistas de governo. Coriolano, apesar de escrita após Júlio César, analisa um período anterior da história Romana, quando os tribunos escolhidos para representar os interesses das pessoas comuns de Roma eram bem-sucedidos em bloquear às tentativas da aristocracia de instalar um líder militar de sua própria tendência (Caio Márcio, a quem foi dado o nome honorífico de Coriolano por seu sucesso triunfal sobre Corioles) como cônsul com poder absoluto que poderia sufocar às demandas políticas e econômicas do povo. Em Coriolano, nós testemunhamos, assim, o nascimento do republicanismo em sua forma caracteristicamente Romana, uma mistura de elementos aristocráticos e democráticos; em Júlio César, vemos o fracasso desse regime delicadamente balanceado. Shakespeare vê ambos os eventos com distanciamento irônico.
O republicanismo era uma questão potencialmente controversa no palco Jacobino, na medida que os espectadores podiam fazer analogias entre esse sistema político e os esforços do parlamentarismo em frear o poder do trono Inglês. As diferenças são reais, é claro, especialmente em Júlio César, cuja reivindicação de César pelo governo absoluto não tem a sanção do direito divino e o republicanismo de Brutus é inefavelmente gentil em vez de populista. Coriolano, entretanto, ataca mais próximo de casa. Aqui os plebeus estão profundamente insatisfeitos com o governo aristocrático. A agitação social contra a fome e os altos preços torna-se um motim e a expressão de sentimentos democráticos, tais como as ouvidas e temidas pelas autoridades da Inglaterra. Motins contra a falta de grãos ocorreram em Northamptonshire, Warwickshire e Leicestershire durante o verão de 1607. O Rei James I, que alcançou o trono em 1603, adotou uma postura hostil contra os esforços Puritanos em democratizar o governo da Igreja e em relação aos desafios correspondentes no Parlamento, em nome da lei comum. Do ponto de vista vantajoso da Roma antiga, distante no tempo e espaço, Coriolano avalia o conflito em termos que não comportam uma relação precisa com a Inglaterra Jacobita, porém mantêm uma relevância eterna. Sem escolher um lado, a peça habita na ambiguidade do conflito e nos resultados indecisos e contraproducentes alcançados por ambos as partes.
Como em Júlio César, os homens de ambos os lados são apaixonadamente sinceros, porém são guiados pelo extremismo míope. Os tribunos insistem, em nome da multidão, que as vozes das pessoas sejam a lei última de Roma. Coriolano, em uma resposta furiosa, vê a multidão e seus tribunos eleitos como os inimigos da prerrogativa hierárquica, ameaçando a própria existência do estado. Qual visão é correta? A voz do povo é uma corajosa força de resistência contra a arrogância aristocrática e o privilégio de classe, como exemplificado por Coriolano, ou é o programa dos tribunos o confisco de poder pelos demagogos dispostos a arriscar à anarquia e enfraquecer o poder militar Romano? Shakespeare, como Plutarco, explora as fraquezas e as forças de ambos os partidos. Ele utiliza uma estrutura dramática, como em Júlio César, de constante ambiguidade. Se uma conclusão emerge, é que o violento conflito político conduz somente à anulação daquelas instituições civilizadas que as poucas pessoas com moderação, como Menênio, no meio do fogo cruzado, esforçam-se inutilmente em preservar.
Os cidadãos interpretam um papel dominante em Coriolano. A ação inicia, como em Júlio César, com uma cena da multidão, dando o tom de ominosa instabilidade. A multidão é facilmente influenciável. Não tendo nenhuma filosofia política consistente própria, ela seguirá qualquer orador carismático que agradá-la. Ela despreza Coriolano em um momento e o adula no próximo. Seus próprios membros concordam que a multidão é uma “multitude com muitas cabeças,” sem direção e irresponsável (2.3.10-17). Outros personagens além de Coriolano protestam contra o mau cheiro da turba, hálito “fedorento”, pescoços “enfumaçados”, “fétidos bonés engordurados” e dentes sujos (2.1.208, 235; 4.6.138). Os cidadãos Romanos são um “rebanho”, “homens de aventais,” “comedores de alho,”, patifes, lebres, raposas, gansos, “berbigões da rebelião, insolência, sedição” (3.1.35, 73; 4.6.101-3). Esse retrato deliberadamente repulsivo, parte de uma imagem de excrementos que perpassa toda a peça, meramente intensifica o que é verdade nas outras peças Romanas e nas peças de história Inglesa também. Em nenhum outro lugar em Shakespeare a ação da multidão leva a algo de construtivo ou mesmo politicamente aceitável. Ao mesmo tempo, a multidão não detém a responsabilidade principal pelo desastre, em Coriolano ou em qualquer outro lugar em Shakespeare. Individualmente, os seus membros são bondosos, calmos, rápidos em esquecer os prejuízos e, na verdade, acreditam por demais em seu próprio bem. Em Coriolano, eles devem ser incitados de tempos em tempos pelos tribunos para que lutem por suas indignações. As suas queixas em relação à escassez de grãos parecem justificáveis. Muitos cidadãos, deixados sozinhos, são sábios e pacientes. Eles são uma força neutra, perigosa apenas quando excitada ao frenesi coletivo pela persuasão demagógica.
Uma boa parte da culpa parece recair então nos tribunos, e, de fato, mesmo os patrícios mais moderados, tais como Menênio, são profundamente desconfiados de Junius Brutus e Sicinius Velutus. Esses tribunos estão dispostos à arriscar à violência da multidão para alcançarem seus objetivos, especialmente quando encorajam à “populaça dos plebeus” a “agitarem-se em torno de Coriolano” (3.1.183-8). Ignorando o pedido de Menênio que “Assim se atiça o fogo, não se apaga” (linhas 193,200), os tribunos deliberadamente instigam Coriolano à raiva. A estratégia deles é a de fomentar o clamor, e “quando a gritaria começar, / Forçar à execução imediata” sobrepondo à razão com a histeria (3.3.21-2). Eles interpretam cuidadosamente cada confrontação com Coriolano, ensaiando os cidadãos no que estes devem fazer, astuciosamente cronometrando as suas provocações. Eles falam como conspiradores. A dimensão meta-dramática dessa ênfase na encenação de uma campanha política sugere que a política pode facilmente tornar-se espetáculo teatral de aparências manipuladoras. As plateias de Shakespeare, acostumadas com as advertências governamentais contra a violência das multidões, provavelmente entendiam a ameaça colocada pelos tribunos e saboreavam a ironia de Roma ser enfraquecida em vez de fortalecida pelas maquinações da turba.
Ademais, o retrato de Shakespeare dos tribunos é notavelmente simpático. Eles honestamente temem que Coriolano busque “um só trono, sem assistência” (4.6.34), e que como cônsul ele fará qualquer coisa que puder para suprimir às liberdades das pessoas. Esse não é um medo sem base; os próprios amigos de Coriolano aconselham-no a somente atacar os tribunos depois de ter alcançado o poder, não antes. Apesar dos tribunos incitarem às pessoas à ações que elas não fariam de outra maneira, os tribunos acreditam estar fazendo isso para os melhores interesses das pessoas, fornecendo liderança para um eleitorado que até então carecia de voz. Eles acreditam em um governo “com o consentimento de todos” que pode pôr em cheque à insolência aristocrática através da “censura legal” das pessoas comuns. “O que é a cidade senão as pessoas?” (3.1.202-4; 3.3.50). Ademais, eles não são revolucionários por temperamento e abandonam às táticas de multidão, uma vez que fizeram-se ouvir. As realizações deles os ridicularizam quando Roma prova-se indefesa contra o retorno de Coriolano, mas mesmo aqui eles podem argumentar com alguma razão que Roma alcançaria à paz se não fosse a vingança ilegal de Coriolano.
Talvez, então, Coriolano deve assumir a responsabilidade em provocar o extremismo democrático através do seu desprezo pelos cidadãos. Desde sua primeira aparição, ele nos é hostil, assim como à populaça, com sua maneira rude e insultante. Ele dirige-se ao povo como “trapaceiros discordantes” coçando doenças com crostas, e os rejeita como “vira-latas” que estão “abaixo da abominação” (1.1.163-7). Seu ódio torna-se repugnância, e tememos que ele esteja pronto para utilizar sua espada em “milhares desses escravos divididos” (linha 198). Ele responde à encenação calculada dos tribunos da oposição política ao demonstrar que ele não é ator. Constitucionalmente relutante em prostrar-se à turba ao interpretar o humilde papel que eles lhe pedem em troca de seus votos (“É um papel / Que eu coro em desempenhar,” ele diz a seus amigos em 2.2.145-6), Coriolano prefere perder de antemão do que ganhar através da solicitude à demanda popular como um ator o faria. “Deram-me agora um papel que jamais / Eu farei bem,” ele insiste a sua mãe (3.2.107-8). O papel dos políticos é tal que contradiz à verdadeira natureza de Coriolano da forma mais fundamentalmente desonesta. “Adeus, meus sentimentos. Que o espírito / De uma puta me possua!” Relutantemente ele consente em “Conquistar os corações e voltar amado” (3.2.113-35). Não é de admirar que os cidadãos não fiquem impressionados por qualquer sinceridade em seu angariar de votos. Quando lhe é negado o consulado pelos tribunos, de fato, ele desembainha sua espada no mercado, desfrutando da oportunidade de uma solução militar. A sua tendência de esquecer os nomes revela uma frieza e uma egocentricidade que é, às vezes, quase infantil em seu narcisismo. Apesar de professar não falar meramente por raiva, ele é facilmente provocado pelos tribunos e fala o que pensa com muita rapidez. Mesmo aqueles que admiram suas virtudes concedem que “parecer gostar da má vontade e do desprazer do povo é tão mau quanto aquilo que tanto o desagrada, que é bajulá-lo para ter seu amor” (2.2.21-3). Coriolano está feliz em ouvir do ataque iminente do Vólcios à Roma, pois ele prefere a guerra à paz e vê a conscrição como uma forma de canalizar às energias revolucionárias contra um inimigo externo. Ele professa amor ao seu país, mas, por causa que sua conexão é exclusivamente de ordem patrícia, ele está pronto para tornar-se um traidor contra uma Roma que dá voz política aos plebeus que ele tanto abomina.
Entretanto, o retrato de Coriolano, como o dos tribunos, é delicadamente equilibrado. Admiramos o ódio de Coriolano da hipocrisia. Ele é tão escrupulosamente honesto, recusando todos os espólios de guerra exceto aqueles que seus companheiros soldados são autorizados. Apesar de seu orgulho de família e nome, ele genuinamente não gosta de ouvir a si mesmo sendo elogiado. Apesar de desdenhar liderar covardemente cidadãos-soldados e distinguir-se mais em realizações individuais de valor do que na liderança de um exército, ele é inspirador e mesmo popular entre os soldados tão valentes quanto ele mesmo. Ele é generoso ao elogiar as realizações de seus colegas. Mesmo nas matérias de estado, ele mostra resolução e integridade. Ele tem uma filosofia política consistente, reforçada pela comparação de Menênio do estado com um corpo no qual os membros devem harmoniosamente interagir (1.1.94 Primeiro Fólio). Os espectadores Jacobinos reconheceriam nessa analogia o apelo ortodoxo para a ordem e o grau que eles ouviam regularmente do púlpito e do trono, apesar de reconhecerem que, nesse caso, esteja sendo aplicado com interesse próprio por alguém que desfruta dos pré-requisitos do nascimento nobre. Coriolano, aconteça o que acontecer, firmemente acredita que as prerrogativas estabelecidas da aristocracia são os únicos bastiões de Roma contra o caos. Ao conceder poder aos tribunos, em sua visão, o Senado selou à sua ruína. Ele vê o povo como seu próprio pior inimigo, insaciável e irracional em suas demandas, incapaz de compreender às sutilezas do governo, instintivamente invejoso de seus melhores. Tais mortais vulgares devem sujeição aos seus mestres, apesar de eles não poderem compreender isso por si sós. Coriolano sabe que sua visão está fora de moda e que a tendência corrente é a de agradar às demandas populares com o compromisso, mas ele não vê o fim para os compromissos que serão necessários, uma vez que os tribunos estabeleçam suas prerrogativas. Ele prefere uma batalha até a morte e dá às boas vindas ao perigo para si mesmo. Se a coragem e a consistência dele forem “muito absolutas,” se ele for “muito nobre para o mundo” (3.2.41; 3.1.261), ele preferiria acreditar que a falha está no mundo em vez de em si mesmo.
Entre os extremos dos governos democráticos e aristocráticos, a posição mediana do compromisso oferece muitas atrações. Menênio sadiamente deseja ver “mais respeito de ambos os lados” e pede junto àqueles que seriam “verdadeiros patriotas” para “realizar, serenos, o que querem / Vingar com violência” (3.1.184; 222-4). Apesar de suas simpatias serem patrícias, ele reconhece o poder dos tribunos como uma realidade política que deve ser tratada. Ele acusa Coriolano por não ter “ganhado tempo” [temporized] (4.6.17). Menênio é um blefador, um sujeito honesto que dirige nossas simpatias, assim como o igualmente franco Enobarbo em Antônio e Cleópatra. Entretanto, os compromissos sempre têm o seu aspecto ridículo. Menênio assume cada vez mais o papel contraditório do pacificador, como York em Ricardo II, encorajando ações que são repugnantes para si pessoalmente. Seus conselhos aparentemente sábios aos plebeus em sua fábula do estômago é, em parte ao menos, uma estratégia retórica calculada para acalmar à insubmissão dos plebeus sem resolver suas reais demandas. Finalmente, depois de ter denunciado os tribunos por traição à Roma, Menênio deve ir como embaixador deles para implorar o perdão de Coriolano. Quando os guardas de Aufídio caçoam deste, por ter sido repelido por Coriolano, Menênio está despreocupado com os insultos deles. Ele assume, de fato, um princípio consistente – a sobrevivência de sua amada cidade em contrapartida de seu orgulho. Ele e Roma erram pragmaticamente, embora não sem perda de dignidade.
A mãe de Coriolano, Volúmnia, está enredada em um dilema ainda mais irônico. Ela compartilha, é claro, o orgulho aristocrático de seu filho, pois ensinou-o um código de morte em vez da desonra. O vínculo entre mãe e filho é extraordinariamente forte e até mesmo angustiante. Emocionalmente, tal vínculo toma o lugar do casamento frio de Coriolano com a casta e introvertida Virgília. Volúmnia, de fato, fala de Coriolano metaforicamente como seu marido e das façanhas militares como substitutas diretas dos “abraços na cama dele” (1.3.4-5). Ao longo da peça, os feitos de guerra de Coriolano são ofertas de amor para sua mãe. Todo cidadão de Roma sabe que tudo que Coriolano fez para seu país é, também, para “agradar sua mãe” (1.1.37). Entretanto, porque Volúmnia não foi adequadamente uma mãe provedora, Coriolano hesita entre dois desejos irreconciliáveis: agradar a sua mãe, cujas demandas nunca podem ser satisfeitas, e a de moldar uma identidade que é inteiramente autônoma. Ele precisa da aprovação dela, mas também deseja não estar comprometido com ninguém, menos ainda a ela. A masculinidade rígida dele na guerra é, compreendemos, em parte, uma tentativa de escapar desse sentido de vulnerabilidade à sua mãe e dos plebeus os quais ele deve implorar por votos – de fato, para a própria Roma, a cidade que o baniu como uma mãe que rejeita seu filho e que ele finalmente não pode destruir. Mesmo as suas habilidades de soldado colapsam em uma tentativa de agradar à sua mãe.
O conflito atinge sua crise quando as demandas opressivas de Volúmnia tomam a forma de uma insistência que o seu filho alcance à fama não apenas na guerra, mas também na política. Aqui ela precisa, como Menênio, encorajar o compromisso e a “política” que todos odeiam. Ela e Menênio encenam as aparições públicas de Coriolano com tanto cuidado quanto os tribunos ensaiam os seus plebeus. Eles “incitam” Coriolano a “representar um papel” a qual ele não tem aptidão (3.2.108-11); como ele diz posteriormente, capitulando para sua mãe pela última vez, “Como um fraco ator agora, / Eu esqueci minha parte, e eu estou fora” (5.3.40-1). Essa integridade tem um lado admirável, mas traz consigo o desastre para os planos de Volúmnia. Ela é derrotada pelo próprio orgulho que engendrou nele, e Coriolano é derrotado pela ambição capital dela por ele. Para ganhar os elogios dela, ele deve pôr de lado suas verdadeiras disposições, tornando-se efeminado e castrado como uma “meretriz” ou “um eunuco” (3.2.114-16). Para satisfazer a busca dela por fama, ele deve desistir de seu ataque à Roma, perjurando a si mesmo para Aufídio, e morrendo como um traidor condenado do estado Vólcio. O esmagador e asfixiante amor de Volúmnia por seu filho prova-se ironicamente fatal a tudo o que eles estimavam.
O relacionamento de Coriolano e Aufídio é de amor assim como de ódio, e também apresenta um conflito fatal. Apesar da rivalidade mortal deles, esses dois heróis militares são singularmente atraídos um pelo outro. Coriolano confessa “Eu pequei ao invejar a nobreza dele,” e considera Aufídio “um leão / Que estou orgulhoso em caçar” (1.1.231-7). O destino de Coriolano é o de amar seu inimigo e odiar seu local de nascimento. Aufídio, por outro lado, cumprimenta Coriolano com mais alegria “Do que ver minha amada, após a boda, / Cruzar a minha porta.” (4.5.122-3). As ressonâncias homoeróticas dessa metáfora não precisam ser lidas literalmente, mas elas relembram imagens similares de laços emocionais entre homens que são inimigos em batalha, tais como Heitor e Aquiles em Tróilo e Créssida. A animosidade da rivalidade persiste; Aufídio sempre ressentiu a superioridade de Coriolano em batalha e planejou superá-lo custe o que custar. Na breve aliança militar deles, Coriolano prova-se um rival muito atraente, ofuscando às realizações de Aufídio. Por essas razões, Aufídio secretamente jubila-se perante o dilema fatal de Coriolano, pois o general dos Vólcios prefere a vingança do que a vitória sobre Roma. Em uma cena final desiludida, ele encena mais um clamor público contra Coriolano, incitando-o a uma fúria orgulhosa, e então, com seus companheiros conspiradores, realiza uma execução não gloriosa “em que o valor chorará” (5.6.139). As virtudes de Aufídio, como àquelas de Coriolano, foram traídas por seus piores instintos. Ao longo da peça, os Vólcios foram inimigos astutos, esperando que Roma se dividisse. As leis que governam as relações entre os estados são brutalmente competitivas, caracterizadas pelas “reviravoltas escorregadias” (4.4.12) do destino, que ironicamente une antigos inimigos e então os coloca novamente um contra o outro. Nesse mundo de inversões bruscas, o último ato de Coriolano é algo que ele nunca poderia ter antevisto: salvar o estado Romano e seus tribunos de uma destruição que ele próprio desejou. Como Coriolano ironicamente observa sobre o seu próprio destino (5.3.184-5), “Os deuses olham para baixo, e perante essa cena não natural / Eles riem.”
No palco hoje, Coriolano funciona bem como uma peça de desilusão e diagnóstico psicológico da liderança carismática que está facilmente em consonância com nossa desconfiança contemporânea em relação à rivalidade política e a maquinação. A produção de Peter Hall em Stratford-upon-Avon, em 1959, com Laurence Olivier como Coriolano, colocou uma incisiva ênfase na covardia da multidão e apresentou o ódio de Coriolano da adulação cortesã com simpatia genuína enquanto, ao mesmo tempo, acentua sua dependência emocional e até mesmo neurótica de sua mãe. Moribundo ao final da peça, preso pelos tornozelos, pendurado de cabeça para baixo de uma plataforma superior, Olivier relembrou aos espectadores do horrendo fim de Mussolini. A produção de Tyrone Guthrie, em 1963, para o Teatro de Nottingham, com a decoração do Império Francês, explorou as dimensões psicológicas histéricas e homossexuais da figura do título. Na produção de John Barton, em 1967, para a Royal Shakespeare Company, e na de Terry Hands, em 1977, Coriolano e Aufídio estavam vestidos com armaduras idênticas e outros efeitos de combinação para ressaltar o narcisismo e os aspectos de rivalidade entre parentes de seus relacionamentos competitivos de amor e ódio. Politicamente, a peça emprestou-se para leituras Marxistas, como em 1959, em Praga, e especialmente na adaptação de Bertold Brecht de 1951-1952, para quem os proletários eram heroicos e os tribunos honrados. Os colaboradores de Brecht do Grupo Berliner, na Berlim Oriental, continuaram nessa veia partidária em 1964. Para Giorgio Strehler, em Milão, 1947, a peça era acerca da dialética Marxista da história, com sua ênfase nas causas materiais e na inevitabilidade da mudança histórica. Outros diretores viram em Coriolano um tipo de Napoleão. Apresentações mais apocalípticas enfatizaram os aspectos irônicos e desiludidos da peça, como na produção de Terry Hands, 1977, estrelando Alan Howard como Coriolano, um homem condenado por sua falha de decretar seus próprios mitos heroicos. Uma produção especialmente esplêndida está disponível em LPs de gravações, apenas em áudio, com Richard Burton como o herói epônimo – certamente um papel o qual o estilo de atuação sarcástico e intelectualmente brilhante de Burton está singularmente em ótima consonância.