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Somar! Incluir o legado teatral
sem tornar-se banal
Dizer o que se pensa
o que do hodierno despenca
como uvas numa tarde outonal

Alguns acusar-te-ão de idolatria
mas tu sentes a pura maestria
Cultuar o que veio antes
não por modismo mas por
ser importante

Na selva amazônica do homem
Shakespeare re-conhecer todas as nossas
mulheres e homens, deixe-os

Recolher uma a uma as personas
que cada gota de tinta continha
tranformá-las em megafones nas linhas

Derreter-se para depois fundir-se
em outrém, num movimento – como não?
de pleno e-terno vai-e-vém

Ouça ao bardo; encare teu espelho ancestral,
desembarque na aurora boreal,
embriagada de criatividade

Inebrie-se na estrutura linguística, hermenêutica, retórica
gritada pelo Globe de Shakespeare, faról do arfar
da transmigração dos jeitos

Destarte a língua Inglesa é materna
a Inglaterra elisabetana é paterna
E nós o receptáculo aberto
sentindo desmesuradamente
a construção da teia da história

Revivendo o ontem num fluxo do agora – (ritual xamânico) –
conjurar a união cósmica entre a nossa São Carlos
e a Londres de outrora

Abram alas pois o carnaval primevo do teatro vai passar
o caldeirão de máscaras derramar-se-a;
compreendê-las é carregar no bolso do coração
um acervo brutal de sabedoria, chafariz de gnose e união.

O que esperar de um ator no exercício sobre humano
de alargar o universo perante olhos atentos?

Sir Hamlet – inesgotável em seu interior de buraco negro – nos diz algo sobre esse ato mágico encarnado pelo ator:

“Que a discrição te sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem a ao corpo e idade do tempo a impressão de sua forma. O exagero ou o descuido, no ato de representar, podem provocar riso aos ignorantes, mas causam enfado às pessoas judiciosas, cuja censura deve pesar mais em tua apreciação do que os aplausos de quantos enchem o teatro.”

Hamlet – um dos manuais da teatrologia ocidental – tem como lema o “cada ato é à ideia tão avesso” do ator Rei, alertando-nos que os nossos desejos pueris navegam ao léu no mar do destino

Deixemos uma consciência que abarca a tudo,
adentremos o sentimento molhado que inunda qualquer fresta: o amor.
Partamos para o limite de um amor ilimitado,
aquele quê de inaudito que fica sempre aquém ou além da expressão,
quando se ama. Por favor, Antônio e Cleópatra:

“CLEÓPATRA
Mas se sou mesmo amada, diga quanto.

ANTÔNIO
É pobre o amor que pode ser medido.

CLEÓPATRA
Vou limitar o quanto ser amada.

ANTÔNIO
Será preciso descobrir novos céus, uma outra Terra.”

A obra, no limite, só nasce com o explodir da bomba atômica do amor, como nos alerta Biron em Trabalhos de amor perdidos:

Nenhum poeta deveria escrever sem que, primeiro, a tinta temperasse nos suspiros do amor.

Na floresta de Arden de Como Quiserem, o bosque da UFSCar de Stratford, encontramos a sublime Rosalinda.
Sol que irradia a peça, seu talento de expressão e pensamento são incríveis.
Vamos ver o quanto Rosalinda aniquila a Jacques, o melancólico:

Jaques: “Lindo jovem, desejo conhecer-te mais de perto.

Rosalinda: Dizem que sois um sujeito melancólico.

Jaques: De fato, prefiro isso a rir.

Rosalinda: As pessoas que se entregam a excesso, em qualquer caso,
se tornam detestáveis, sendo muito mais passíveis de censura do que os
bêbados.

Jaques: Ora! É bom a gente ficar triste e não dizer nada.

Rosalinda: Nesse caso é bom também ser poste.

Jaques: Não possuo nem a melancolia do sábio, que é emulação, nem a do músico, que é fantástica, nem a do cortesão, que é simples orgulho, nem a do soldado, que é ambiciosa, nem a do jurista, que é política, nem a das mulheres, que não passa de faceirice, nem a dos namorados, que abrange todas; a minha, porém, é só minha, composta de muitos ingredientes, extraída de muitos objetos, e de fato das variadas comtemplações de minhas viagens, nas quais fico ruminando até ficar envolvido pela mais caprichosa tristeza.

Rosalinda: “Um viajante! Pois tendes razões de sobra para serdes
triste; receio muito que houvésseis vendido vossas terras para ver a
dos outros;
Ter visto muito e nada possuir, equivale a ter olhos ricos e mãos
pobres.

Jaques: Mas ganhei experiência.

Rosalinda: Experiência essa que vos deixa triste; preferira um bobo
que me alegrasse a uma experiência que me entristecesse. Viajar
para isso!”

O turbilhão de temas é tão variado, contínuo arfar de arquétipos do hoje, verdadeiras cartas de tarot que desembramam nossa condição no mundo. A magnífica fala de Joanna la Pucelle, a Joan D´Arc em Henrique VI, deveria enublar todas as pretensões por fama:

“A glória é como um círculo sobre a água, que aumenta sempre mais, até que à força de se alargar, termina em coisa alguma.”

Descendo os degraus dos sentimentos elevados, Shakespeare também tratou de temas delicados que nos concerne a todos e a ninguém. Por exemplo, sobre um belo par de cornos, diz-nos o sábio Bobo de Como Quiserem:

“Chifres? Só os possuem os coitados dos homens? Não, não; o mais nobre dos cervos os possui tão grandes como o mais desprezível. E o solteiro recebe tal bênção? Não; assim como uma cidade murada é mais importante do que uma aldeia, assim também a testa do homem casado é mais respeitável do que as frontes lisas do solteiro; do mesmo modo que muita defesa vale mais do que consumada imperícia, assim também vale mais um chifre do que nenhum”

Texto fora das aspas de Rafael Antonio Blanco.