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                Péricles é uma peça enganosamente simples. Apesar de ter sido popular em seu próprio tempo e, nos últimos anos, ter-se mostrada um sucesso profundamente tocante no palco, a peça pode parecer ingênua e trivial na página impressa. Sua aparente falta de profundidade parece especialmente surpreendente quando nós a comparamos com suas contemporâneas, Rei Lear, Macbeth, Timão de Atenas e Antônio e Cleópatra. Ela pretende ser a obra de um poeta medieval, John Gower, que, como apresentador, ou coro, desculpa-se à sua sofisticada plateia Jacobina (“nascido nesses temos últimos / Quando a argúcia está mais madura”) pelos “fracos pés da minha rima” e a esquisitice de sua cantiga (1.0.11-12; 4.0.48). A narrativa oferece uma série de viagens marítimas, separações, escapadas por pouco, e reuniões. Sobram circunstâncias emocionantes: Péricles fugindo da cólera de Antíoco; sua esposa, Thaísa, dando à luz à filha deles, Marina, a bordo de um navio no meio de uma gigante tormenta; e posteriormente Marina sendo resgatada por piratas de um possível assassino, apenas para ser vendida para seus novos captores em uma casa de prostituição. O tempo passa da própria juventude de Péricles para o de sua filha. A ação acontece em terras remotas, alterando-se constantemente entre seis localidades do Mediterrâneo oriental: Antioquia, Tiro, Tarso, Pentápolis, Éfeso e Mitilene. Os dispositivos convencionais de enredo incluem à explanação de enigmas, uma descoberta de incesto na corte, a exposição das crianças aos elementos hostis, a restauração miraculosa da vida depois de aparente morte, a aparição dos deuses em uma visão e o reconhecimento dos amados há muito perdidos através de sinais ou símbolos.

                Esses são os atributos do romance popular, um gênero distintamente antiquado nos anos 1606-1608, quando Péricles foi aparentemente escrita. Robert Greene compôs romances em prosa desse tipo nos anos 1580 e início dos 1590, incluindo Pandosto, a fonte de Shakespeare para O Conto de Inverno. A Arcadia de Philip Sidney dotou o romance de eloquência nobre e de elegância literária, mas isso, também, no fim dos anos 1580. (O nome “Péricles” pode muito bem dever algo a Pyrocles da Arcadia, apesar que Shakespeare pode ter sido atraído pelo Péricles da Atenas do século quinto e pelas qualidades melífluas do nome.) Outra fonte para Péricles, uma história em prosa de Apolônio de Tiro por Laurence Twine, foi registrada para publicação em 1576, apesar de nenhuma edição existir antes das de 1594 e 1595. Relatos anteriores de Apolônio (como o herói era chamado originalmente), remontam ao romance Grego, incluindo a Historia Apollonii Regis Tyri do século nono, o Pantheon (cerca de 1186), de Godfrey de Viterbo, a Confessio Amantis (cerca de 1383-1393) de John Gower e a Gesta Romanorum. Por que a companhia de Shakespeare remodelou tal história romântica fora de moda em 1606-1608?

                O quebra-cabeça é agravado por questões de autoria e confiabilidade textual. Os editores do Primeiro Fólio não incluíram Péricles no cânon das peças de Shakespeare. Talvez eles experienciaram dificuldades com os direitos autorais ou não tiveram acesso ao texto da peça, mas é também possível que eles suspeitassem ou soubessem que Shakespeare não era o único autor. Edições impressas estavam disponíveis a eles: o primeiro quarto de 1609 e os quartos subsequentes de 1609, 1611 e 1619, cada um baseado na versão anterior. O primeiro quarto era, entretanto, um texto ruim com contradições óbvias. Em 1.2, por exemplo, os lordes de Péricles desejam a ele uma boa viagem quando ninguém falou ainda de sua partida, e Helicano repreende esses mesmos lordes por lisonja, apesar deles não terem dito nada remotamente bajulador. Outras cenas apresentam dificuldades similares, especialmente nos primeiros dois atos. Os personagens nem sempre parecem consistentes: Cleon é condenado no Ato 5 por ter tentado matar Marina, mesmo que nossa impressão anterior dele seja de um homem que está genuinamente horrorizado com a vilania de sua esposa. Ele inclina-se fracamente à vontade de Dionyza, mas não é um assassino. Tais inconsistências e erros, e a inocência do todo, geralmente levaram à três hipóteses:  que Shakespeare trabalhou com colaboradores tais como Thomas Heywood ou George Wilkins, que ele revisou uma peça antiga e deixou os dois primeiros atos praticamente intocados, ou que ele escreveu a peça inteira, que foi então “pirateada” por dois atores desempregados cujas porções diferenciavam-se notoriamente no quesito exatidão.

                Para complicar as coisas ainda mais, uma versão em prosa da história chamada As Dolorosas Aventuras de Péricles de George Wilkins apareceu em 1608, pretendendo ser “a verdadeira História da Peça de Péricles,” isto é, um relato em prosa da performance dramática. Essa redação é, de fato, às vezes, próxima da peça que temos, porém, em outras, afasta-se amplamente. As divergências dessa última obra são eventualmente explicadas com a hipótese que Wilkins baseou seu relato em uma peça mais antiga, a qual Wilkins pode ter contribuído ele próprio; uma outra opinião mais corrente favorece à noção que Wilkins retirou o que precisava da peça que temos, emprestando também da versão em prosa de Twine ou de sua própria imaginação. Aparentemente, então, Péricles foi um sucesso popular tamanho no palco que inspirou às Dolorosas Aventuras de Wilkins em 1608, uma nova reimpressão, em 1607, de Pattern of Painful Adventures, de Twine, na qual a própria peça baseou-se parcialmente, e uma edição em quarto clandestina e malfeita da peça em 1609. A autoria única de Shakespeare deve permanecer uma dúvida, apesar de as incongruências, especialmente nos primeiros dois atos, serem eventualmente explicadas como o resultado de uma defeituosa reportagem de memória ou erro de composição. No palco, em contrapartida, mesmo os dois primeiros atos engendram um excelente sentido dramático, estabelecendo os motivos e as situações que são essenciais para o restante da peça, portanto, a impressão geral no teatro é de coesão.

                A ingenuidade de Péricles é, provavelmente, deliberada. Seus motivos românticos continuam naquele grupo de peças conhecido geralmente como romances tardios: Cimbelino (cerca de 1608-1610), O Conto do Inverno (cerca de 1609-1611), e A Tempestade (cerca de 1610-1611). Nem esses motivos são inteiramente novos em Péricles: as comédias “problemas” Bem Está o que Bem Acaba e Medida por Medida utilizam de uma estrutura tragicômica na qual as curas miraculosas ou as intervenções providenciais triunfam sobre o semblante da morte. Péricles ocupa um local integral, então, no desenvolvimento da comédia Shakespeariana durante o período de suas grandes tragédias. Para esse desenvolvimento, ela oferece uma nova ênfase na simplicidade da lenda popular. Dos quatro romances tardios, Péricles, o mais novo, é também o mais próximo em tom dos romances dos anos 1580. A peça parece constituir um renascimento daquele antigo gênero e foi tão imensamente popular que fez muito para estabelecer o estilo da tragicomédia explorado por Beaumont e Fletcher.

                O Coro, o velho Gower, dá aos materiais episódicos da peça um ponto de vista unificado. Ele fala com a autoridade de quem já contou a história anteriormente, apesar de o seu Confessio Amantis (cerca de 1383-1393) provavelmente não ser a fonte imediata de Shakespeare. Gower adota um tipo de máscara Chauceriana, apelando para “o que meus autores disseram” (1.0.20) e desculpando-se por sua rude simplicidade. Como o Coro de Henrique V, ele repetidamente pede aos seus espectadores transcenderem às limitações de sua arte ingênua, utilizando o poder da imaginação para estabelecerem conexões no tempo e para suporem que o palco seja um navio em uma tormenta ou a cidade de Antioquia. Suas aparições separam à ação em sete segmentos episódicos, certamente uma estrutura mais autêntica do que os cinco “atos” convencionalmente empregados pelas edições posteriores. Ele oferece avaliações morais de seus vários personagens, frequentemente antes de termos a chance de vê-los, contrastando o bem com o mal. Mais importante, ele preside como um tipo de deidade benigna perante os mutáveis destinos de seus personagens, assegurando-nos que, como narrador, ele não permitirá que os virtuosos sofram ou que os perversos escapem de punição. Ele assim dá ritmo às nossas expectativas e provê um conforto cômico apropriado ao romance. Ele promete “mostrá-los àqueles no reino das dificuldades, / Que perdem um pouco, e ganham muito.” Aos virtuosos, ele dará, finalmente, sua “benção”. Sobre sua direção, as hesitações do destino tomam um ritmo previsível, por meio do qual as recompensas da conduta virtuosa podem atrasar, mas não podem, eventualmente, falhar. Péricles, ele nos conta, sofrerá adversidades “Até o destino, cansado de fazer o mal, / Jogá-lo na costa, para lhe dar felicidade” (2.0.7-38). Esse padrão é repetido várias vezes.

                Os personagens frequentemente nos relembram um conto de fadas, externamente estereotipado e unidirecional, divididos, na maior parte, em tipos contrastantes de vilania e virtude, e sugerindo, ainda, por detrás de suas aparências convencionais os conflitos nos relacionamentos de família que são essenciais aos contos de fadas. O incesto é um motivo recorrente, de sua manifestação mais direta e maligna na corte de Antíoco, a inversões e variações mais sutis no relacionamento de Simonides e sua filha Thaísa, e, mais central, de Péricles e sua filha Marina. O interesse em pais e em filhas, e as dificuldades dos pais lidarem com o fato de sua filha casar-se com outro homem mais jovem, continua à fascinar Shakespeare, de Otelo e Rei Lear até todos os seus romances tardios. O mistério do incesto é colocado nos termos de uma charada no início de Péricles, e a comovente conclusão dramática na qual o herói é reunido com sua filha, finalmente, parece representar, até certo ponto, uma resolução do conflito entre pai e filha. Péricles e Marina “encontraram” um ao outro em si mesmos, literalmente no sentido narrativo e, também, de uma forma psíquica e espiritual mais profunda.

                Os personagens que expressam esses ou outros conflitos são repetidamente pareados opostos um ao outro como antagonistas contrastantes, ilustrando um tipo de depravação humana e seu oposto ideal. Um desses contrastes é o da tirania e da verdadeira monarquia. Por exemplo, tanto Antíoco quanto Simonides parecem dar às boas-vindas para vários pretendentes que acorrem em suas cortes, buscando pedir em casamento às duas princesas. Antíoco o faz de forma enganadora, contudo, pois ele é o amante incestuoso de sua filha. Péricles aprende em Antíoco o perigo de saber muito das questões privadas de um tirano suspeito e vingativo. Simonides é, por outro lado, um príncipe verdadeiro, amado até mesmo pelos seus súditos mais simples, generoso, altruísta, cortês em relação aos estranhos e mais impressionado com a substância interior do que com uma amostra exterior. Ele aprova Péricles como genro, apesar (como Próspero em A Tempestade) de impor restrições artificiais aos amantes para tornar o triunfo último do amor parecer ainda mais doce. Antíoco e sua filha são finalmente murchados pelo fogo do céu, ao passo que Simonides e Thaísa recebem às recompensas justas da graciosa hospitalidade. Outro par oposto de personagens, Thaliard e Helicano, são as representações convencionais dos cortesãos falsos e verdadeiros. Thaliard, intimado por Antíoco a assassinar Péricles, é evasivo e egoísta: Helicano, quando surge a oportunidade de suplantar Péricles como governante de Tiro, lealmente espera pelo retorno de seu mestre.

                Péricles é aparentemente concebido nesses mesmos termos convencionais, como um príncipe cavalheiro, jovem, bravo, admirável tanto como pretendente romântico quanto um resoluto aventureiro. A sua visita à cidade de Tarso, que recentemente decaiu da riqueza à pobreza, mostra-lhe à prática da generosidade que condiz com sua elevada classe social e com suas qualidades nobres inatas. Mesmo quando o destino retira suas roupas elegantes, sua procedência principesca é evidente para observadores sagazes como o Rei Simonides e Thaísa. Péricles difere-se externamente, assim, dos equivocados protagonistas tragicômicos encontrados com mais frequência nos romances tardios, tais como Póstumo em Cimbelino e Leontes em O Conto do Inverno, que trazem consigo uma angústia e devem sofrer de remorso agonizante, antes de ganharem uma segunda chance inesperada. Péricles não parece ter falta alguma, sendo um herói do romance em vez da tragédia. Os seus solilóquios e discursos eloquentes não são sombriamente introspectivos e psicológicos, como os de Leontes. Embora ele sofra de remorso, ele o faz por um infortúnio imerecido em vez de suas próprias falhas. A peça adequadamente tem pouco a dizer sobre o instinto perverso da humanidade pela autodestruição. Apesar dos críticos não concordarem se Péricles é simplesmente um bom homem golpeado pelo infortúnio ou um homem de algum modo perplexo pelo conflito interior. Existem desejos não resolvidos em seus relacionamentos com Thaísa e Marina, que o conectam com os protagonistas manifestamente defeituosos de Cimbelino e O Conto de Inverno, e, mais explicitamente, a Antíoco e sua filha nessa peça? O que causa o seu desespero excessivo e seu retiro no silêncio absoluto? Na superfície, sua história é de um infortúnio imerecido, levando finalmente à reunião feliz e um fim para seus testes. Ele aprende uma resposta mais afirmativa e paciente de sua corajosa filha Marina, como consequência de seus testes terem alcançado os seus cursos necessários. Mesmo seu aprendizado de tal lição é de menor importância do que o sublime sentido de mistério e felicidade que acompanha sua reunião com Marina.

          De diversas maneiras, Marina é uma heroína típica dos romances tardios de Shakespeare. O nome dela, como o de Perdita em O Conto do Inverno, significa perda e recuperação. Marina é o presente do mar, aquele poder misterioso do destino em Péricles que tira com uma mão enquanto dá com a outra. Quando o mar arremessa Péricles na costa de Pentápolis e então devolve-lhe o conjunto da armadura o qual competirá na justa pelo amor da bela Thaísa, esta aparentemente morre em uma outra tempestade no mar ao dar à luz à Marina. A criança é uma “nova marinheira” na atribulada viagem da vida (3.1.42). O mar separa ela de sua mãe e pai e leva aos desentendimentos pelos quais Marina está supostamente morta, porém o mar, também, finalmente, deposita Péricles na costa de Mitilene, onde ele encontra sua filha há muito perdida. Como Perdita, Marina é associada com flores e com Telos, uma divindade da terra. A inscrição em seu monumento, quando é dada como morta, fala do conflito elementar entre o mar e a costa causada pela sua morte, na qual os furiosos deuses do mar “Batem furiosos nas costas de rochas” (4.4.29-43). Ela é uma princesa da lenda popular, como a Branca de Neve ou como Imogênia em Cimbelino, que deve fugir da cólera invejosa de uma madrasta e rainha que se parece com uma bruxa. Sua verdadeira mãe, Thaísa, outra princesa do folclore, é carregada para a margem em um baú do tesouro, cheirando docemente e simbolizando algumas mudanças miraculosas no destino.

          Mais importante, Marina é alguém que pode pregar pela conversão dos pecadores e curar às almas destemperadas. Ela recupera seu noivo, Lisímaco, dos bordéis de Mitilene, e até converte aos cafetões e às prostitutas com sua fé inocente. Como alguém com um estranho poder de trazer uma vida nova à esperança morta, ela relembra várias figuras de artistas e mágicos nos romances tardios (ou, anteriormente, em Bem Está o que Bem Acaba). Um deles é Cerimon, que restaura à vida a Thaísa. Como ele, ou como Paulina em O Conto do Inverno, cujos estratagemas são “legítimos”, apesar de aparentemente mágicos, Marina oferece a cura que pode ser racionalmente explicada e, entretanto, parece ser miraculosa. Para Péricles, o auxílio dela parece “o sonho mais raro / com que o pesado sono já zombou / dos mortais infelizes.” (5.1.166-7). Entretanto, o que ela o ensinou, por seu próprio exemplo, é a simples paciência; ela sofreu ainda mais do que ele, porém sabe como perseverar, como “Apaziguar à frenética angústia no autocontrole” (linhas 140-2). Marina tem o poder de renovar seu pai e restaurá-lo à vida, talvez porque ela representa a forma a qual a sexualidade da mulher poder ser legitimada: ela habita por um tempo em uma casa de prostituição e é eminentemente desejada por homens, entretanto, ao mesmo tempo, é tão pura que pode ensinar aos homens o caminho para controlarem suas próprias libidos. Ela é então prostituta e santa na mesma pessoa, capaz de refutar a premissa menor sobre a carnalidade da condição humana, que Péricles em qualquer outro lugar acha tão ameaçadora. Em sua recuperação de Marina e em sua feliz inclinação pelo noivado de Marina e Lisímaco, Péricles finalmente resolve o laço incestuoso entre pai e filha, que se colocou tão ameaçador para ele na corte do Rei Antíoco.

          Através da ajuda de Marina, Péricles é reunido com sua esposa também. Aqui, similarmente, a narrativa sugere uma resolução bem-sucedida da culpa, depois de longos anos de conflito interior. Péricles é obrigado à lançar o corpo de sua esposa ao mar em uma tempestade, depois de ela morrer no parto. A culpa não é dele, pois os marinheiros insistiram que a tempestade não reduziria até que o navio estivesse limpo da morte (3.1.47-9), porém, o fardo emocional da perda é incalculável. A recuperação miraculosa de Thaísa torna possível uma eventual reunião que coincide com à redescoberta da filha. Vista nesses termos, a fábula é uma a qual um marido descobre ser possível amar novamente uma esposa que ele perdeu e, em um certo sentido, abandonou há muito. Como em O Conto do Inverno, onde o Rei Leontes causa a morte de sua rainha no momento em que esta dá à luz, e então a recupera depois de anos de penitência, o marido aprende novamente, no fim da vida, a estimar uma esposa perdida há muito, que envelheceu e que ele agora é capaz de amar, independentemente desse envelhecimento. Em Péricles, a culpa do marido não é manifesta, nem a sexualidade de sua esposa é uma ameaça aberta a ele, na vitalidade da gravidez dela, e ainda a própria narrativa de separação relembra uma resolução vagarosa e difícil com as demandas emocionais do casamento. Talvez seja significante, de alguma forma, que Shakespeare tenha vivido longe de sua família na maior parte de sua vida de trabalho e que, quando escreveu seus romances tardios, ele estava prestes à mudar-se de Londres para Stratford.

          Qualquer que seja a dimensão psicológica da história de Péricles, sua filha e sua esposa, o velho Gower como o Coro busca o significado em termos simples e piedosos. Gower deseja que nós entendamos finalmente o porquê da Providência ter permitido que tanto desfortúnio atingisse os virtuosos: somente por esse teste a humanidade poderá aprender à conquistar o tempo e a morte. O tempo permanecerá “o rei dos homens; / Os seus pais e os seus túmulos, / E dá a eles o que quer, não o que anseiam” (2.3.47-9). Entretanto, a Providência pode desviar os acidentes do tempo e do destino para um bom propósito, para aqueles que tem uma fé paciente como a de Jó. Mesmo os piratas, inintencionalmente, têm lugar no plano divino, resgatando Marina do controle da maligna Dionyza. Como Gower coloca, aqueles que são “assaltados por um destino feroz e intenso” são também “Levados pelo céu, e coroados finalmente com a alegria” (5.3.90-2). A Péricles, tal recompensa demorada é uma ampla compensação por suas angústias, quase, de fato, uma alegria insuportável. “Não mais, deuses!” ele comoventemente implora. “Sua gentileza presente / Torna minhas misérias passadas um esporte” (linhas 41-2).

          Depois de séculos de abandono, com a exceção de ocasionais alterações gigantescas, Péricles tornou-se reconhecida no palco nas décadas recentes. A tendência das últimas montagens é a de enfatizar a semelhança da peça com o conto de fadas e os elementos paradoxais, de tal maneira que chama à atenção aos dispositivos da ilusão teatral. Terry Hands, em Stratford-upon-Avon, em 1969, empregou um palco sem cenário para enfatizar à fluidez do movimento e a necessidade da cumplicidade da plateia na criação da ilusão teatral; Gower (Emrys James) era um bardo Galês, e os papéis de Thaísa e Marina foram interpretados por Susan Fleetwood – não sem algum estratagema no final, quando as duas estão no palco juntas. Toby Robertson escolheu uma decoração Brechtiana, com vestimentas modernas, para enfatizar a corrupção nas cenas de bordel (1973, Teatro Roundhouse, Londres). Gower tomou vários disfarces modernos, incluindo a de um cantor de calipso [gênero de música da Índia oriental] (Edric Connor) na produção de Tony Richardson, em 1958, em Stratford-upon-Avon, um cantor de blues gospel (Renee Rogers) na bela produção de Richard Ouzounian em Stratford, Canadá, em 1986, e um motorista de ônibus cantor na produção de Barbara Gaines para o Teatro Chicago Shakespeare, em 1998. A peça empresta-se à opulência oriental e a variedade do cenário romântico. Seu contínuo sucesso no teatro é um antídoto efetivo contra os problemas da incerteza textual que aflige à peça na folha impressa.