Macbeth é, aparentemente, a última das quatro grandes tragédias Shakespearianas – Hamlet (cerca de 1599-1601), Otelo (cerca de 1603-1604), Rei Lear (1605-1606) e Macbeth (cerca de 1606-1607) – que examinam as dimensões do mal espiritual, diferentemente do conflito político das tragédias Romanas tais como Júlio César, Antônio e Cleópatra e Coriolano. Se Shakespeare teve a intenção ou não que Macbeth fosse uma culminação de uma série de tragédias sobre o mal, a peça oferece, de fato, uma visão abrupta e melancólica do encontro da humanidade com os poderes sombrios. Macbeth, mais conscientemente do que qualquer outro protagonista trágico de Shakespeare, tem que encarar à tentação de cometer o que ele sabe ser um monstruoso crime. Como o Doutor Fausto na peça de Christopher Marlowe, A Tragédia do Doutor Fausto (cerca de 1588), e, em uma extensão menor, como Adão do Paraíso Perdido (1667) de John Milton, Macbeth compreende as razões para resistir ao mal e, entretanto, segue com seu plano desastroso. Sua consciência e sensibilidade a questões morais, juntamente com sua escolha consciente pelo mal, produzem um inquietante relato da falha humana, ainda mais angustiante porque Macbeth é exemplarmente humano. Ele parece possuir livre arbítrio e aceita à responsabilidade pessoal por seu destino, porém sua destruição trágica parece inevitável. Nem há uma eventual salvação a ser esperada, como há no Paraíso Perdido, pois o crime de Macbeth é hediondo e seu coração muito insensível. Ele é mais parecido com o Doutor Fausto – condenado e em desespero.
A um certo nível não encontrado nas outras tragédias, a questão é colocada em termos de salvação versus danação. Macbeth sabe antes de agir que as virtudes do Rei Duncan “Soarão, qual trombeta angelical, / Contra o pecado que o destruirá; (1.7.19-20). Depois do assassinato ele está igualmente consciente que “Minha taça de paz enchi de fel…e minha eterna joia / Dei ao inimigo comum do homem” (3.1.68-70). Seus inimigos irão descrevê-lo como um demônio e um “hellhound” (5.8.3) [Cão de guarda da mitologia Grega que guardava os portões do inferno.] Como o Doutor Fausto antes dele, Macbeth vendeu sua alma conscientemente para obter um ganho. E, apesar de, como um mortal, ele ainda ter tempo de arrepender-se de seus crimes, horríveis como são, Macbeth não encontra as palavras para ser penitente. “Por que não pude eu dizer “Amém”? ele implora a sua esposa depois deles cometerem o assassinato. “Precisava de bênçãos, mas o “Amém” / Travou na minha boca.” (2.2.35-7). A própria resposta de Macbeth parece ser que ele se comprometeu tão inexoravelmente com o mal que não pode voltar atrás. A sentença foi pronunciada: “Matou o sono Glamis, e então Cawdor / Não dorme mais; Macbeth não dorme mais.” (linhas 46-7).
Macbeth não é uma peça de moralidade convencional (ainda menos do que Doutor Fausto) e não se preocupa primariamente com a pregação contra o pecado ou em demonstrar que Macbeth será finalmente condenado pelo o que fez. Uma tradição de drama moral e religioso foi transformada em um intenso estudo humano dos efeitos psicológicos do mal em um homem particular e, em uma menor extensão, sobre sua esposa. Essa tradição moral, entretanto, provê como seu legado uma perspectiva sobre a operação do mal nas questões humanas. Uma ambição perversa aparentemente inata no próprio Macbeth é incitada pelas forças sombrias habitando o universo, esperando para pegá-lo com a guarda baixa. Entre as tragédias de Shakespeare, de fato, Macbeth é notória por seu foco no mal do protagonista e em seu relacionamento com as forças sinistras que o tentam. Em nenhuma outra peça Shakespeariana pede-se à plateia uma identificação de tal ordem com o próprio malfeitor. Ricardo III também foca em um protagonista maligno, mas, naquela peça, os espectadores são distanciados pela arrogância dos personagens e não partilham dos solilóquios introspectivos de um homem confrontando suas próprias ambições. Macbeth é mais exemplarmente humano. Se ele revela uma inclinação pela brutalidade, ele também humanamente tenta resistir a esse desejo. Testemunhamos e lutamos para compreender sua queda através de duas fases: o conflito espiritual antes dele cometer o crime e o resultado desesperador, com sua busca vã por segurança através de continuada violência. O mal é assim apresentado em dois aspectos: primeiro como uma sugestão insidiosa que leva Macbeth para uma ilusória promessa de ganho e então a um desvairado vício pela coisa odiosa pela qual é possuído.
Na primeira fase, antes da execução do crime, nos indagamos qual a extensão que os poderes sombrios são um fator determinante para o que Macbeth faz. Ele pode evitar o destino que as bruxas proclamam? Evidentemente, ele e a Senhora Macbeth consideraram anteriormente assassinar Duncan; as bruxas aparecem depois do pensamento, não antes. A Senhora Macbeth relembra a seu vacilante marido que ele foi o primeiro a “sugerir tal empresa” para ela, em alguma ocasião anterior quando “Nem hora, nem momento, nos serviam / Porém tu esforçaste por dobrá-los” (1.7.49-53). Os Elisabetanos provavelmente compreendiam que os espíritos malignos, tais como as bruxas, apareciam quando invocadas, tanto por mentes conscientes quanto inconscientes. Macbeth está maduro para as insinuações delas: uma mente livre de manchas não veria um convite sinistro de grandeza futura na profecia delas. E, em um momento mais saudável, Macbeth sabe que seu desejo incansável de interferir no destino é arrogante e inútil. “Se o fado me quer rei, que me coroe / Sem que eu me mova” (1.3.145-6). Banquo, seu companheiro, serve como seu oposto dramático ao mostrar consistentemente uma atitude mais estoica em relação às bruxas. “Falem então comigo,” ele se dirige às bruxas, “que não peço e nem temo / Seu favor ou seu ódio” (linhas 60-1). Como Horácio em Hamlet, Banquo fortemente resiste às bajulações da fortuna assim como aos seus golpes, porém não sem uma noite agonizante de conflito moral. De fato, as promessas de sucesso são, frequentemente, mais destruidoras do que contratempos – como no aparente exemplo paradoxal do fazendeiro, citado pelo porteiro de Macbeth, que “enforcou-se na expectativa da abundância” (2.3.4-5). É mostrando que Macbeth está a dois terços do caminho ao trono que as bruxas o tentam a confiscar a última terça parte a qualquer custo. “Glamis, e Lord de Cawdor! / O melhor está por vir.” (1.3.116-17).
Banquo compreende a natureza da tentação. “Muita vez, pra levar-nos para o mal,” ele observa, “As armas do negror dizem verdades, / Ganham-nos com tolices, pra trair-nos / Em questões mais profundas” (1.3.123-6). O demônio pode falar a verdade, e sua estratégia é convidar-nos para uma armadilha que ajudamos a preparar. Sem nosso ativo consentimento no mal (como Otelo também aprende), não podemos cair. Entretanto, em qual sentido as bruxas estão jogando com Macbeth ou mentindo? Quando elas dirigem-se a ele como alguém “que deve ser rei doravante” (linha 50), elas estão declarando uma certeza, pois elas podem “olhar através das sementes do tempo / E dizer qual grão crescerá, qual não,” como Banquo diz (linhas 58-9). Elas sabem que Banquo será “Menos que Macbeth, e maior. / Não tão feliz, entretanto muito mais feliz” (linhas 65-6), porque Banquo irá gerar uma raça de reis e Macbeth não. Como sabem, então, que Macbeth será rei? Se considerarmos a questão hipotética, e se Macbeth não assassinar Duncan, podemos ganhar alguma compreensão do relacionamento entre caráter e destino; pois a única resposta válida é que a questão permanece hipotética – Macbeth assassina Duncan, as bruxas estão certas em suas predições. É infrutífero especular que a Providência encontraria outro caminho de fazer de Macbeth rei, pois a profecia das bruxas é auto-satisfeita da mesma maneira que antevê. O caráter é o destino; elas sabem da fraqueza fatal de Macbeth e sabem que podem “incendiá-lo” a confiscar à coroa ao dispor tentações irresistíveis perante ele. Isso não quer dizer que elas determinam a escolha dele, mas, em vez disso, que a escolha de Macbeth é previsível e, por isso, inevitável, mesmo que não predeterminado. Ele tem livre arbítrio, mas esse arbítrio irá, de fato, apenas por um caminho – assim como Adão e Eva no Paraíso Perdido de Milton e na tradição medieval da qual este poema é derivado.
Apesar dos poderes do mal não determinarem a escolha de Macbeth, eles podem influenciar às condições externas que afetam essa escolha. Por uma série de eventos aparentemente circunstanciais, oportunos em seus efeitos, eles podem repetidamente assaltá-lo, justo quando ele está prestes a ceder à chamada da consciência. As bruxas, armadas com conhecimento sobrenatural, informam Macbeth de seu novo título um pouco antes dos embaixadores do Rei confirmarem que ele é agora Lorde de Cawdor. Duncan escolhe essa noite para hospedar-se sob o teto de Macbeth. E, justo quando Macbeth resolve abandonar até mesmo essa oportunidade ímpar, sua esposa intervém para o lado das bruxas. Macbeth comete o assassinato em parte para manter sua palavra a ela e para provar que não é covarde (como Donwald, o assassino do Rei Duff em uma das principais fontes de Shakespeare, as Crônicas de Raphael Holinshed). Não apenas as oportunidades apresentam-se a Macbeth, mas também os obstáculos colocados em seu caminho são astuciosamente cronometrados para dominar sua consciência. Quando o Rei Duncan anuncia que seu filho Malcolm é agora Príncipe de Cumberland e herdeiro oficial do trono (1.4.36-42), a ameaça involuntária desvia o humor de Macbeth da gratidão e aceitação para a hostilidade. Essas circunstâncias, que afetam nosso julgamento de Macbeth, não o absolvem, mas reduzem à pena associada com sua ofensa, e certamente aumentam nossa identificação solidária.
Ficamos comovidos, também, com a intensidade poética da visão moral de Macbeth. Os seus solilóquios são memoráveis como poesia, não meramente porque Shakespeare os escreveu, mas porque Macbeth é sensível e consciente. O horror do seu crime, de fato, é que seu ego cultivado está revoltado por aquilo que não pode prevenir a si mesmo de fazer. Ele entende com uma terrível claridade, não apenas o erro moral que está prestes a cometer, mas, também, as consequências destrutivas inescapáveis para si mesmo. Ele é tão relutante quanto nós em ver o crime ser cometido, e, entretanto, pratica o ato com uma resolução racional triste, em vez de uma fúria autodestrutiva. Para Macbeth não há perda aparente de perspectiva, entretanto, há uma total alienação do ato em relação a sua consciência moral. Os argumentos a favor e contra o assassinato de Duncan, como Macbeth os retrata em sua aguda imaginação visual, quando ponderados, são esmagadoramente opostos à ação. Duncan é um rei e seu convidado, merecedor do respeito e da hospitalidade de Macbeth. O Rei é virtuoso e capaz. Ele mostrou todo o tipo de preferência por Macbeth, assim removendo qualquer motivo saudável para lutar por mais promoção. Toda a história humana mostra que o assassinato desse tipo “retorna / para infestar o inventor” (1.7.9-10), isto é, provê apenas culpa e punição em vez de satisfação. Finalmente, o julgamento na “vida que virá” inclui a possibilidade de tormenta eterna. Do outro lado do argumento não há nada, exceto “Esta alta ambição cujo salto exagera” (linha 27) – uma perversa recusa em contentar-se com sua boa situação porque há algo mais que incita. Quem poderia pesar as questões tão desapaixonadamente e ainda assim escolher o erro? Entretanto, a falha é, de fato, previsível; Macbeth é apresentado a nós como tipicamente humano, tanto em seu entendimento quanto em sua perversa ambição.
A claridade da imaginação moral de Macbeth é contrastada com a não percepção de sua esposa. Ele está sempre tendo visões ou ouvindo vozes – uma adaga no ar, o fantasma de Banquo, uma voz grita “Não dorme mais!” – e ela está sempre as negando. “Os que dormem e os mortos / São só quadros,” ela insiste. Ele sabe “que o vasto oceano de Netuno” não pode lavar o sangue de suas mãos; “Não, nunca! Antes estas mãos conseguiriam / Avermelhar a imensidão do mar / Tornando rubro o verde.” Para a Senhora Macbeth, em contraste, “Um pouco d’água limpa-nos do feito. / Como é fácil, então!” (2.2.57-72). Macbeth sabe que o assassinato de Duncan é apenas o início: “Nós ferimos a cobra, não a matamos.” A Senhora Macbeth preferiria acreditar que “o feito já está feito” (3.2.14-15). Ironicamente, é ela que, finalmente, deve suportar visões das mais agonizantes, sonambulando em sua angústia e tentando retirar a “maldita mancha” que antes parecia tão fácil de remover. “Todos os perfumes da Arábia não irão adocicar essa pequena mão,” ela lamenta (5.1.33-52). Esse relacionamento entre Macbeth e a Senhora Macbeth deve muito aos contrastes tradicionais entre os princípios masculinos e femininos. Como no casal Adão e Eva, o homem é supostamente o mais racional dos dois mas conscientemente compartilha do pecado de sua esposa por afeição a esta. Ela falhou em predizer as consequências a longo prazo da ambição pecaminosa e então tornou-se uma tentadora para seu marido. A queda do homem e da mulher na servidão do pecado acontece em uma atmosfera incongruente de intimidade doméstica e preocupação mútua; a Senhora Macbeth é motivada pela ambição por ser marido, da mesma forma que ele peca para ganhar a aprovação dela.
A desarmonia fatal que falha esse acordo doméstico é expressada através de imagens de inversão sexual. A Senhora Macbeth prepara-se para o suplício com o encantamento, “Vinde, espíritos / Das ideias mortais; tirai-me o sexo…Tornai, neste meu seio de mulher, / Meu leite em fel” (1.5.40-8). Quando ela acusa o seu marido de efeminada covardia e jura que arrancaria os cérebros de seu próprio filho pela efeminação que ele mostra, este a exalta “Dê à luz só a machos, / Pois tua têmpera indômita só deve / Gerar varões.” (1.7.73-5). Ela toma a iniciativa, planejando e então executando o plano de drogar os guardas do quarto de Duncan com vinho. Essa aceitação do papel dominante masculino pela mulher lembraria aos espectadores Elisabetanos de vários paralelos bíblicos, medievais e clássicos, deplorando a ascendência da paixão sobre a razão: Eva escolhe por Adão, a esposa de Noé toma o comando da arca, a Mulher de Bath dominando seus maridos, Vênus castrando Marte, e outros.
Em Macbeth, a inversão sexual também associa a Senhora Macbeth com as bruxas ou as Estranhas Irmãs, as mulheres barbadas. A anormalidade delas simboliza a desordem na natureza, pois podem navegar em um barco com a vela furada e “não parecem com os habitantes da terra / E entretanto estão nela” (1.3.41-2). De maneira característica, elas falam em paradoxos: “Quando a batalha está perdida e ganha,” “Bom é mau e mau é bom;” (1.1.4,11). Shakespeare provavelmente extraiu de várias fontes para representar as bruxas: das Crônicas de Holinshed (da qual ele fundiu dois relatos, um de Duncan e Macbeth, e o outro do assassinato do Rei Duff por Donwald com a ajuda de sua esposa), os escritos do Rei James sobre bruxaria, a Declaração das Imposturas Papistas Ofensivas de Samuel Harsnett (usada também em Rei Lear), e os relatos dos julgamentos às bruxas Escocesas, publicado por volta de 1590. Na última, particularmente, Shakespeare pode ter encontrado menções de bruxas provocando tempestades e navegando em peneiras para colocar em risco os veleiros no mar, realizando rituais triplicados blasfemando contra a Trindade, e aos caldos fermentantes de bruxas. As Crônicas de Holinshed referem-se as Estranhas Irmãs como “deusas do destino,” associando-as com os três destinos, Clotho, Lachesis e Atropos, que detém o fuso giratório, removendo o fio da vida, cortando-o. Em Macbeth, o poder das Estranhas Irmãs em controlar o porvir é reduzido, e elas são retratadas como bruxas de acordo com a compreensão contemporânea popular, em vez de deusas do destino; entretanto, pensava-se que as bruxas eram servas do demônio (Banquo pergunta-se se o demônio pode falar a verdade em suas declarações, 1.3.107), e através delas Macbeth fez um nefasto pacto qual o próprio mal. A visita dele ao caldeirão em ebulição delas, em 4.1, o leva até os mestres das bruxas, aqueles poderes desconhecidos que conhecem seu próprio pensamento e seduzem-no com os equívocos os quais Banquo advertiu Macbeth. A popularidade da tradição das bruxas instigou a companhia de atuação de Shakespeare a expandir as cenas das bruxas com espetáculos de música e dança; mesmo o texto do Fólio que temos, evidentemente, contém adições derivadas, em parte, de A Bruxa [cerca de 1609-1616] de Thomas Middleton (veja especialmente 3.5 e parte de 4.1, contendo menções às músicas de Middleton “Separação” [Come away] e “Negros espíritos”). Entretanto, o tema original de Shakespeare, da desarmonia na natureza, permanece claramente visível.
As desarmonias das relações de gênero em Macbeth sugerem outra dimensão inquietante dessa tragédia. A peça está recheada do que Janet Adelman (em Canibais, Bruxas e Divórcio, editado por Marjorie Garber, 1985) adequadamente chama de fantasias do poder maternal. Macbeth, como muitos homens, tenta lidar com suas imaginações de um poder maternal destrutivo e suas fantasias de escapar para um mundo moldado e controlado somente por si mesmo. Inicialmente, ele submete-se à ideia de masculinidade de sua esposa e comete assassinato para ganhar a aprovação dela, destruindo no processo uma figura paternal cuja virilidade é, entretanto, apresentada a nós de forma ambivalente: Duncan certamente é um pai-rei provedor, mas é, também, muito brando e confiante em seu próprio bem. Macbeth escolhe juntar-se a sua esposa masculinizada contra o lado mais gentil da natureza humana, enaltecendo-a como uma mulher “Dê à luz só a machos,” pois sua “têmpera indômita só deve / Gerar varões” (1.7.73-5), mas, em um prazo mais longo, Macbeth encontra-se dissecado por sua própria vulnerabilidade a essa mãe masculinizada. Ele se volta sem sucesso para as bruxas, em busca do poder que necessita para fazê-lo autor de si mesmo; no processo de tentar tornar a si mesmo inteiramente “masculino,” ele consegue, ao invés, separar de si mesmo a “honra, amor, obediência, tropas de amigos,” e todas as graças que devem “acompanhar a velhice” (5.3.24-5). Seu oponente é, apropriadamente, alguém que não “nasceu de mulher” no sentido normal, pois Macduff “foi arrancado / Fora do tempo ao ventre de sua mãe” (5.8.13-16). Macduff representa, em outras palavras, a masculinidade autocriadora e invulnerável que Macbeth não pode obter para si mesmo. O final da peça é angustiantemente absoluto em sua consolidação do poder masculino – um restabelecimento do controle que parece necessário em vistas da virulência do poder maternal que a peça ousou desencadear.
Os padrões da imagem ao longo da peça apontam similarmente para desordens na natureza e nos relacionamentos humanos. O assassinato de Duncan, como aquele de César em Júlio César, é acompanhado pelos sinais da raiva dos céus. Vários observadores reportam que as chaminés sopram ao contrário durante a indomável noite, que as corujas protestam e atacam falcões, que a terra treme, e que os cavalos de Duncan se devoram uns aos outros. (Alguns desses presságios são de Holinshed.) O fantasma de Banquo retorna dos mortos para assombrar seu assassino, incitando Macbeth a falar por metáforas de jazigos e sepulturas que enviam seus mortos de volta e de aves de rapina que devoram os corpos. O porteiro bêbado que abre o portão para Macduff e Lennox depois do assassinato (2.3) invoca imagens de julgamentos e fogueiras eternas, pelas quais a cena relembra o portão infernal e a descida de Cristo ao inferno. As corujas aparecem repetidamente na imagética, juntamente com outras criaturas associadas com a noite e o horror: lobos, serpentes, escorpiões, morcegos, sapos, besouros, gralhas, corvos. A própria escuridão assume formas tangíveis e ameaçadoras de estrelas escondidas ou velas extintas, um grosso cobertor encobrindo “a mais sombria fumaça do inferno” (1.5.51), o túmulo da terra no lugar da “luz viva” (2.4.10), um cachecol para cegar o “lamentável dia” (3.2.50), e uma “mão ensanguentada e invisível” para estraçalhar às vidas dos virtuosos (3.2.51-2). O sono é transformado de um “segundo curso da grande natureza” e de um “acalentador” da vida que “trança o fio fino do cuidado” (2.2.41-4) para uma “imitação da morte” (2.3.77) e um inferno na terra para a Senhora Macbeth. A vida torna-se estéril para Macbeth, uma negação da colheita, a borra ou resíduo do vinho e “a murcha e amarela folha” (5.3.23). Em uma metáfora teatral, a vida se torna irreal para ele, “A vida é só uma sombra: um mau ator / Que grita e se debate pelo palco, / Depois é esquecido” (5.5.24-6). Esse tema da ilusão vazia estende-se sobre a imagem recorrente dos ornamentos emprestados ou inadequados que desmascaram aquele que os veste. Macbeth é um ator, um hipócrita, cujo “rosto esconde o falso coração” (1.7.83) e que deve “Parecer ser a flor inocente, / Porém ser a serpente sob ela” (1.5.65-6). Mesmo a exibição da angústia é uma máscara assumida por meio da qual os malfeitores enganam os virtuosos, a tal ponto que Malcolm, Donalbain e Macduff aprendem a ocultar os seus verdadeiros sentimentos em vez de serem considerados como “exibindo uma angústia não sentida” (2.3.138).
O sangue não é apenas um sinal literal de desordem, mas um emblema da carnificina sem remorso de Macbeth, uma “mancha maldita” na consciência, e uma promessa de vingança divina: “Ele quer sangue: sangue pede sangue” (3.4.123). A ênfase no sangue corrupto também sugere doença, na qual a tirania de Macbeth é uma doença para seu país assim como para ele próprio. A Escócia sangra (4.3.32), necessitada de um médico; Macduff e seus aliados chamam a si mesmos “os remédios de uma nação doente” (5.2.27). A doença da Senhora Macbeth é incurável, algo espiritualmente corrupto em que “o paciente / Deve ministrar para si mesmo” (5.3.47-8). Por outro lado, o Rei Inglês Eduardo é renomado por seu dom divino de curar o que era conhecido como o mal do rei, ou escrófula (4.3.147-8). Essas imagens são geralmente paternalistas em suas invocações de reis e pais que curam e unem.
Por toda a peça, os defensores da retidão são associados com imagens positivas da ordem natural e com o controle patriarcal. Duncan recompensa seus súditos ao dizer “Comecei a plantar-te e hei de fazer-te / Crescer ao máximo” (1.4.28-9). Sua chegada no castelo de Inverness anuncia os sinais do verão, ar fresco, e “a andorinha do templo” (1.6.4). Ele é uma figura paternal, tanto que mesmo a Senhora Macbeth se recusa a um ato tão parecido com o parricídio. Macduff é, também, um pai e marido cuja família é massacrada. A marcha da floresta de Birnam para confrontar Macbeth, apesar de racionalmente explicada como um dispositivo de camuflagem para o exército de Macduff, é emblemática da própria ordem natural elevando-se contra as monstruosidades dos crimes de Macbeth. Banquo é, sobretudo, uma figura patriarcal, ancestral da linha real governante da Escócia e da Inglaterra no momento em que a peça foi escrita. Essas harmonias são restauradoras até um certo ponto. Mesmo as profecias enigmáticas das bruxas, “o equívoco do demônio” (5.5.43), seduzindo Macbeth para mais atrocidades com a vã promessa de segurança, antecipam uma punição justa.
Entretanto, a visão do mal da peça nos abala profundamente. A paz da Escócia foi violada, tanto que “agir mal / Às vezes é louvável, mas o bem / É tido qual loucura perigosa.” (4.2.76-8). Macduff foi forçado a negar seu papel masculino adequado de protetor de sua esposa e família; a Senhora Macduff e seu filho, juntamente com o jovem Siward, tiveram que pagar com suas vidas inocentes o terrível preço da tirania da Escócia. Em sua frenética tentativa de impedir o cumprimento da profecia sobre a linhagem de Banquo herdando o reinado, Macbeth assassina, como o Rei Heródes, muito da nova geração a qual o futuro depende. Podemos apenas esperar que a estabilidade que a Escócia retornará após sua morte seja duradoura. A linhagem de Banquo finalmente reinará e produzirá uma série de reis, até alcançar o ocupante real perante o qual Shakespeare apresentará sua peça, porém, quando Macbeth termina, Malcolm é o rei. O assassinato de um traidor (Macbeth) e o colocar de sua cabeça em uma lança, replica o início da peça, da traição e degola do Lorde de Cawdor – um cortesão o qual Duncan desenvolveu “Uma absoluta confiança” (1.4.14). Mais problemática, a natureza humanamente representativa do crime de Macbeth deixa-nos com pouca convicção que podemos resistir a sua tentação. O melhor que pode ser dito é que pessoas sábias e boas tais como Banquo e Macduff aprenderam a conhecer o mal em si mesmas e a resistir a este tão nobremente quanto possível.
Paralelo a seu interesse interminável no assassinato e na consciência humana, Macbeth é uma peça intensamente política. Certamente a peça foi vista dessa forma, quando foi produzida pela primeira vez, em 1606-1607. O porteiro bêbado em 2.3 aparentemente refere-se à tentativa infame de explodir as Casas do Parlamento conhecida como Conspiração da Pólvora, de 1605 – e ao subsequente julgamento do Jesuíta Henry Garnet, o notório “enganador”, por sua parte na conspiração (2.3.8). Banquo cumpre um papel histórico de progenitor da linha dinástica que levará finalmente a James VI da Escócia, que se tornou James I da Inglaterra em 1603. O desfile de “oito Reis e finalmente Banquo” que Macbeth deve testemunhar na ocasião de sua última visita às Estranhas Irmãs (4.1.111.1) termina com um vidro ou espelho mágico mostrando muitos outros reis portando acessórios reais, incluindo “duplas bolas e triplos cetros” (4.1.121) que aparentemente referem-se à dupla coroação, em 1603, do Rei da Inglaterra e Escócia. James era entusiasticamente interessado em bruxaria. A Escócia era uma preocupação constante da fronteira norte da Inglaterra, aliando-se com a França, saqueando toda a fronteira Inglesa, dividindo-se através da violência dos clãs, e, de um ponto de vista Inglês, manifestando um tipo de tirania que os Ingleses especialmente temiam. A Escócia dessa peça ajuda assim a definir, amplamente por contraste, o que é pensado como verdadeiramente Inglês. O Rei Inglês que é descrito como fazendo “Uma obra das mais miraculosas” ao curar “o mal,” ou escrófula, pelo seu toque (4.3.147-8), sugere uma referência lisonjeira a James, que reivindicava esse poder de cura. Esse rei Inglês não nomeado empresta o seu suporte ao ataque militar contra Macbeth através da qual a tirania é finalmente derrotada. A peça simultaneamente incorpora uma desconfortável atitude de hostilidade em relação à Escócia, juntamente com uma visão de união entre os dois países que acontece pela subjugação da Escócia pela sua vizinha do sul. Um tipo bruto de harmonia é alcançado da desarmonia. O ato de regicídio de Macbeth é respondido por outro regicídio em nome da lei Inglesa. Os dilemas de tal resolução podem apontar para a ambivalência que muitos Ingleses sentiam em relação a seu estranho monarca do norte, o homem que chegou a ser conhecido como “o bobo mais sábio do Cristianismo.”
Macbeth é uma peça difícil de ser apresentada no palco, pelo menos de acordo com a tradição de palco: desde o início do século vinte, os atores sempre referem-se a ela supersticiosamente como “a peça Escocesa”, como uma forma de evitar a má sorte que de outra forma poderia pairar ameaçadoramente sobre a companhia de atuação. Presumidamente, essa é uma resposta teatral às sondagens obscuras da peça em relação à mágica irracional, determinismo fatal e a fragilidade humana. Não coincidentemente, talvez, alguns dos maiores sucessos na interpretação são de filmes. O Trono de Sangue (1957) de Akira Kurosawa reconta a história de Macbeth, em preto e branco, como uma devastadora exploração do conflito ambicioso entre os chefes guerreiros Japoneses. Apesar do diálogo e dos nomes dos personagens de Shakespeare serem alterados completamente, essa versão captura magnificentemente a intenção misteriosa e maligna da figura profética que Macbeth encontra em uma floresta, seduzindo-o ao mal através de promessas ambíguas de grandeza futura. A própria floresta é de uma presença surpreendente nesse filme, dotada de terror sobrenatural no meio de uma tempestade. A Senhora Asaji, esposa de Washizu (a figura de Macbeth), está horrivelmente obcecada com a ambição para seu marido; seu aparente papel de uma esposa aristocrática Japonesa obediente e decorosa, acentua o contraste entre a aparência do comportamento civilizado e as sugestões internas sombrias da autoafirmação competitiva. Uma versão em filme com Ian McKellen e Judi Dench como Macbeth e sua esposa, baseada em uma versão teatral dirigida por Trevor Nunn (1976-1978) em Stratford-upon-Avon, Londres e Newcastle-upon-Tyne, enfatiza o diabólico, de tal forma que dá às Estranhas Irmãs um poder real que é tanto psicologicamente plausível quanto assustadoramente irracional. A versão em filme de Roman Polanski (1971), apesar de criticada pelo patrocínio das Produções Playboy e sua consequente exibição de alguns nus grotescos, é bem-sucedida em retratar Macbeth e a Senhora Macbeth como um casal essencialmente jovem cuja sexualidade é integral para suas ambições. E, é claro, houve várias grandes produções teatrais, apesar do xibolete da lenda de má sorte, notavelmente a produção de Glen Byam Shaw em Stratford-upon-Avon, em 1955, estrelando Laurence Olivier e Vivien Leigh, que atraiu admiração para o marido e esposa por serem excelentes, corajosos, leais, e de genuína estatura trágica, apesar de fatalmente equivocados ao escutarem à voz do mal.