Noite de Reis é, possivelmente, a última das três comédias festivas, incluindo Muito Barulho por Nada e Como Quiserem, com as quais Shakespeare atingiu o clímax do estilo distintamente filosófico e alegre da escrita cômica. Interpretada em 2 de Fevereiro de 1602, no Templo do Meio, e escrita possivelmente ainda em 1599, Noite de Reis é usualmente datada de 1600 ou 1601. Essa peça é, de fato, a mais festiva do grupo. Sua ideia central é a liberação da Saturnália e a busca do carnaval por amor e hilaridade. Ao lado de motivos familiares, como a heroína destemida disfarçada de homem (encontrada anteriormente em Os Dois Cavalheiros de Verona, Como Quiserem e O Mercador de Veneza), Noite de Reis também retorna aos processos mais farsescos de identidade equivocada encontrada na comédia anterior de Shakespeare. Como uma testemunha da performance de 1602, John Manningham observa que a peça é “muito parecida com a Comédia dos Erros, ou o Menaechmi de Plauto, mas ainda mais parecida e próxima daquela em Italiano chamada Inganni.”
A atmosfera de carnaval é apropriada à estação designada no título da peça: a décima segunda noite após o Natal, 6 de Janeiro, o Banquete da Epifania. (O prólogo a Gl’Ingannati, talvez a peça Italiana referida por Manningham, fala de “La Notte di Beffania,” noite de Epifania.) Paralelamente com sua significância Cristã primária como o Banquete dos Magos, a Epifania era, também, nos tempos da Renascença, o último dia dos festejos de Natal. Em um período de doze dias, do Natal até 6 de Janeiro, as famílias nobres patrocinavam várias performances de peças, máscaras, banquetes e todo tipo de festividade. (Leslie Hotson argumenta, de fato, que Noite de Reis foi encenada, primeiramente, na Noite de Reis de 1601, na presença da Rainha Elizabeth.) Os estudantes deixavam as escolas para as férias, celebrando suas liberações dos estudos com peças e festejos próprios. O rígido rigor de uma sociedade regrada dava lugar, temporariamente, a divertidas inversões de autoridade. A celebração do Menino Bispo e do Banquete dos Bobos, por exemplo, dava aos coristas e aos funcionários menores da igreja a preciosa oportunidade de ditar as ordens da hierarquia do seu entorno, zombando da liturgia com uma sátira ultrajante e, geralmente, extravasando as emoções. Apesar desses costumes ocasionalmente descontrolarem-se, a ideia era a de canalizar potenciais insubordinações destrutivas na interpretação e, assim, promover harmonia. Por detrás desses costumes de meio do inverno Elisabetanos, encontra-se a Saturnália Romana, com seu espírito pagão de troca de presentes, indulgência sexual e hostilidade satírica àqueles que impedem à alegria. A peça de Shakespeare captura o espírito da Epifania medieval e da Renascença ao utilizar, frequentemente, de divertidas alusões à prática religiosa: Feste disfarçado de “Sir Topas,” o padre, a piada de Feste sobre viver na igreja (3.1.3-7), a defesa de Sir Toby dos “bolos e da cerveja,” o juramento de Feste em nome de Santa Ana, mãe da Virgem Maria (2.3.115-16), a piada de Feste em relação aos “clerestórios” (4.2.38), e assim por diante. Shakespeare carinhosamente evoca uma tradição de festivais e cerimônias que incorpora a zombaria em suas celebrações de renovação na época de Natal.
A escolha de fontes de Shakespeare para Noite de Reis enfatiza seu compromisso com a hilaridade. A literatura da Renascença oferecia vários exemplos de identidade equivocada entre gêmeos e da heroína disfarçada servindo como pajem a seu amado. Entre as fontes em Inglês estava a peça anônima Sir Clyomon and Sir Clamydis (cerca de 1570-1583), Arcadia (1590) de Sir Philip Sidney, e o romance em prosa Parismus de Emmanuel Forde (1598), apresentando dois naufrágios e dois personagens com os nomes de Olívia e Violetta. De significância particular, apesar de parcialmente por razões negativas, é a estória de Barnabe Riche, “Apollonius e Silla”, em Riche Seu Adeus à Profissão Militar (1581), que era baseado na versão Francesa de François de Belleforest, de 1571 da Novelle (1554) de Matteo Bandello. Aqui encontramos a maior parte dos requisitos dos elementos do enredo: o naufrágio; o disfarce de Silla como pajem na corte do Duque Apollonius; o ofício dela como embaixadora do amor de Apollonius com a dama Julina, que, logo após isso, apaixona-se por Silla; e a chegada do irmão gêmeo de Silla, Sílvio, e seu consequente sucesso em ganhar a afeição de Julina. Para Riche, entretanto, essa estória é, meramente, uma longa advertência contra o poder debilitante da paixão. Sílvio engravida Julina e desaparece em seguida, reaparecendo, quase totalmente atrasado, para salvar Silla, acusada injustamente. A moralização de Riche coloca a culpa no grosseiro e embriagado apetite do amor carnal. A total incompatibilidade de afeição que inicia a história, e os repentinos realinhamentos do desejo, baseado em meras aparências externas, são vistos como provas da irracionalidade do amor. Shakespeare, é claro, retém e capitaliza da qualidade irracional do amor, como em Sonho de uma Noite de Verão, mas, ao fazê-lo, ele minimiza o dano causado (Olívia não está grávida) e repudia qualquer julgamento moral negativo. O subenredo adicionado, com sua repreensão a censura de Malvólio, pode ter sido planejado como uma resposta adicional a Riche, Fenton e a escola séria deles.
O espírito festivo de Shakespeare deve muito, como Manningham observou, a Plauto e aos escritores Italianos neoclássicos. Pelo menos três comédias Italianas chamadas Gl’Inganni (“As Fraudes”) empregam o motivo da identidade equivocada, e uma delas, de Curzio Gonzaga (1592) fornece o nome assumido de Viola, de “Cesare”, ou Cesário. Outra peça com o mesmo título aparece em 1562. Mais útil é Gl’Ingannati (“O Enganado”), encenada em 1531 e traduzida para o Francês em 1543. Além de uma linha de enredo geralmente similar a Noite de Reis, e a referência a La Notte di Beffania (Epifania), essa peça oferece o nome sugestivo Malevolti, “face-má” e Fabio (que relembra “Fabian”). Ela também contém possíveis dicas para Malvólio, Sir Toby e companhia, apesar de o enredo da carta falsificada ser original de Shakespeare. Essencialmente, Shakespeare combina seu próprio enredo com o de uma novela Italiana, como ele o fez em A Megera Domada e Muito Barulho por Nada. E é na história de Malvólio que Shakespeare mais explicitamente defende a alegria. Feste, o bobo profissional, um tipo original de Shakespeare para o palco, em Noite de Reis e em Como Quiserem, também reforça o tema do confisco do momento da alegria.
Essa grande lição, de saborear os prazeres da vida enquanto ainda jovem, é alguma coisa que Orsino e Olívia não aprenderam ainda, no momento em que a peça inicia. Apesar de adequados um ao outro em classe social, riqueza e beleza, eles são incapazes de superar a teimosa presunção na elaborada pretensão do cortejo. Como Sílvio em Como Quiserem, Orsino é o cortejador convencional preso no artifício cortesão das regras do amor. Ele abre a peça com uma nauseante nota de autopiedade. Ele está fascinado com sua própria degradação como um pretendente rejeitado e entedia seus ouvintes com seu humor inconstante e a afeição pela “presunção” poética. Ele vê a si mesmo como um cervo perseguido por seus desejos “como cães de caça assassinos e cruéis,” relembrando-nos que a debilitante doença do amor, de fato, o furtou de sua ocupação principal, a caça. Ele envia mensagens ornadas e planejadas para Olívia, mas não há vê por tanto tempo, que sua paixão tornou-se irreal e fantástica, nutrindo-se de si mesma.
Olívia interpreta o papel oposto, da mulher casta que diz não. Ela explica seu retiro do mundo como um luto pelo seu irmão morto (cujo nome nunca sabemos), mas seu retiro da vida é outra visão irreal. A prática do luto de Olívia, por meio da qual ela “Todos os dias regará seu quarto / De amargo pranto, só para conservar” (1.1.28-9) é um ritual sem vida. Como outros veem a questão, ela está insensivelmente gastando sua beleza e afeição nos mortos. “Mas que raios quer dizer minha sobrinha, tomando assim a morte do irmão?” protesta Sir Toby (1.3.1-2). Viola, apesar de ter, também, aparentemente perdido um irmão, é um importante contraste em relação a isso, pois ela continua a esperar pela segurança de seu irmão, confiando a alma dele ao céu se estiver morto, e recusando-se a abandonar seu compromisso com a vida de qualquer modo. Nós suspeitamos que Olívia tira um excêntrico prazer na autonegação, não diferente do sofrimento autocongratulatório de Orsino. Ela parece extrair satisfação do poder que ela detém sobre Orsino, um poder de recusa. E ela deve saber que fica deslumbrante de preto.
Os empregados de Olívia refletem, em parte, o humor dela de autonegação. Ela mantém Malvólio como administrador porque ele, também, veste-se sombriamente, insiste no silêncio para o bem de uma casa enlutada e mantém a ordem. Entretanto Olívia também mantém um bobo, Feste, que é o oposto de Malvólio em todos os aspectos. Pressionado em defender sua hilária função na casa, tão devotada contra a melancolia, Feste precisa encontrar alguma forma de persuadir sua patroa que a gravidade dela é, em si mesma, a essência da loucura. Isso é um paradoxo, porque a sobriedade e a ordem apelam à sabedoria convencional do mundo. Malvólio, sentido que sua devoção à propriedade está sendo desafiada pelas falas do bobo, repreende Olívia por ter “deleite em tal árido maroto” (1.5.80-1).
Feste deve argumentar por uma inversão da aparência e a realidade por meio da qual muitas buscas do mundo ordinário podem ser vistas como ridículas. Conforme ele observa, em sua maneira elíptica habitual de falar, “Cucullus non facit monachum [o capuz não faz o monge]; isso é muito próximo de dizer que não uso roupa de bobo em meu cérebro” (1.5.52-4). Feste ganha seu caso ao fazer Olívia rir de sua própria incoerência em entristecer-se por um irmão cuja alma ela assume que está no céu. Por extensão, Olívia tem sido, de fato, boba ao permitir-se ser privada da felicidade no amor por causa da morte de seu irmão (“não há verdadeiro corno, mas calamidade”) e por falhar em considerar a brevidade da juventude (“a beleza é uma flor”). Entretanto, paradoxalmente, somente aquele que professar ser um bobo pode apontar isso, permitindo-o, por seu desapego e inocência, perceber simples mas profundas verdades rejeitadas por pessoas supostamente racionais. Essa visão do bobo como naturalmente sábio, e da sociedade como auto-indulgente e insana, fascinou os escritores da Renascença, de Erasmo, no Elogio à Loucura e Cervantes, no Dom Quixote, ao Rei Lear de Shakespeare.
Viola, apesar de não vestir a roupa de bobo, alinha-se com a rejeição da autonegação de Feste. Revitalizante e mesmo comicamente, ela desafia o recatado artifício das vidas de Orsino e Olívia. Ela é uma viajante do oceano, como muitas heroínas posteriores de Shakespeare (Marina em Péricles, Perdita em O Conto do Inverno), que chega na costa da Ilíria destemida e determinada. Na primeira missão dela, de Orsino para Olívia, ela expõe com desarmante candura a deliberada qualidade ritualística da existência de Olívia. Viola descarta o discurso florido que ela tinha preparado e memorizado por ordem de Orsino; apesar de sua declaração charmosamente vaidosa que o discurso foi “excelentemente bem escrito,” ela sente que uma retórica elegante mas vazia é muito familiar à desdenhosa Olívia. Em vez disso, Viola sai de seu texto para encorajar o agarrar dos momentos de felicidade. “Você usurpa a si mesma,” ela repreende Olívia, “pois o que é seu para conceder, não é seu para reservar” (1.5.183-4). A beleza é um presente da natureza, e falhar em utilizá-la é um pecado contra a natureza. Ou, novamente, “Senhorita, você é a mulher mais cruel viva / Se você levar essas graças [a beleza de Olívia] para o túmulo / E não deixar nenhuma cópia no mundo” (linhas 236-8). Um argumento essencial em favor do amor, como nos sonetos de Shakespeare, é a necessidade do casamento e o de ter filhos, para perpetuar a beleza. Essa abordagem é nova para Olívia e a pega inteiramente de surpresa. Em parte, ela reage, como Phoebe em Como Quiserem, com lógica perversa, rejeitando um pretendente muito disposto por um que é difícil de conseguir. Entretanto, Olívia está, também, atraída por uma nova nota de sinceridade, induzindo-a a reentrar na vida e aceitar maduramente os riscos e recompensas do envolvimento romântico. Seu anseio por “Cesário” é, claro, sexualmente desorientado, mas a aparição do irmão gêmeo de Viola, Sebastião, em breve resolverá tudo.
Os motivos da atração de Olívia por outra mulher (ambos os atores seriam garotos) e a profunda afeição de Orsino por um aparente jovem homem (“Cesário”), que amadurece em amor sexual, levanta delicadas sugestões de amor entre membros do mesmo sexo, como em Como Quiserem. Novamente, as ambiguidades do disfarce apontam para a natureza socialmente construída da diferença sexual. Viola como “Cesário” atinge àqueles que a encontram como quase indeterminada sexualmente. Orsino coloca bem a questão, ao conversar com “Cesário”, quando observa, “Pois caluniará a tua idade / Quem disser que és um homem. Nem Diana / Tem os lábios tão rubros; e a voz fina / É como a da donzela, aguda e clara; / Tudo em ti tem aspecto de mulher.” (1.4.30-4). A adolescência masculina e a feminilidade são vistas como praticamente indistinguíveis – um ponto que é arguciosamente reforçado no teatro, pelo fato que um garoto ator está interpretando Viola disfarçado de “Cesário.”
Ao mesmo tempo, essa divertida confusão da diferença sexual torna-se um veículo de uma exploração séria do amor e da amizade. Como Rosalinda em Como Quiserem, Viola usa sua vestimenta masculina para ganhar a afeição pura de Orsino, em uma amizade nominalmente desprovida de interesse sexual, pois ambos aparentemente são homens. A amizade deve vir antes; a Renascença geralmente atribuía um valor mais alto à amizade do que a paixão erótica. Entretanto Shakespeare também insiste, como muitos de seus contemporâneos (incluindo Montaigne), que a amizade não é somente possível entre homem e mulher, mas que tal relacionamento, formalizado no casamento, oferece o melhor dos mundos; por isso, a importância do disfarce masculino de Viola. Como “Cesário,” ela pode ensinar Orsino sobre as convenções do amor em conversas descontraídas e francas, que não seriam possíveis se fosse sabido que ela é uma mulher. Ela o ensina a evitar os encantadores mitos do amor Petrarquiano (de acordo com o sonetista Italiano Francesco Petrarca, cujos poemas encarnavam a idealização do amor cortês) e assim o prepara para as realidades do casamento. Comparando os homens com as mulheres no amor, ela revela, “Nós homens somos mais dados a juras, / Mas somos mais aspecto que desejo, / Provamos mais com juras que com amor” (2.4.116-18). Uma vez que ela e Orsino alcançaram um relacionamento instintivo – notavelmente extraordinário por suas falas frequentes de maneiras conflitantes – a revelação de Viola pode tornar possível uma comunhão física também. Orsino, não mais preso na adoração fútil de uma deusa aparentemente intocável, pode resolver-se com sua sexualidade como parte de um relacionamento humano unificado e amoroso.
A amizade entre Sebastião e Antônio, entrementes, profundamente testada pelas confusões do enredo de identidade equivocada, similarmente coloca Sebastião em um triângulo de amor e amizade, como aquele que envolve Bassânio, Pórcia e Antônio em O Mercador de Veneza. Sebastião e Antônio são amigos amáveis, tanto que Antônio, de boa vontade, arrisca sua vida para estar com Sebastião em um país onde Antônio tem muitos inimigos. As expressões de Antônio de afeição por Sebastião são extraordinariamente quentes. “Se você não me matar por meu amor, deixe-me ser seu servo,” ele implora. “Eu te adoro tanto / Que o perigo deve parecer esporte, e eu irei” (2.1.33-4, 45-6). Um desejo “Mais afiado que lâmina de aço” impulsiona Antônio a buscar por seu amigo, apesar do perigo manifesto (3.3.4-5). “Uma feitiçaria” o atrai para Sebastião (5.1.72). Se a ligação é homossexual, como ela é, frequentemente, interpretada no palco moderno, é discutível; expressões entusiasmadas entre homens parecem ser mais comuns nos tempos Elisabetanos do que é hoje, e os séculos intermediários, sem dúvida, alteraram nossa compreensão dos relacionamentos do mesmo sexo; o termo homossexual é de uma data muito posterior. O que permanece verdade para a peça é que esse retrato da amorosa e emocional proximidade entre dois homens abre caminho para o casamento de um deles com uma mulher (como em O Mercador de Veneza). A representação do amor e da amizade entre dois homens é um motivo recorrente da peça, encarnado sobretudo no relacionamento amoroso de Orsino e “Cesário.” Shakespeare escolhe resolver seu enredo ao definir o casamento heterossexual como a conclusão de relacionamentos que iniciaram como amizade e incorporando aquela amizade em uma união que finalmente oferece uma satisfação heterossexual também.
Os personagens secundários do subenredo, Sir Toby e o restante, compartilham com Feste e Viola um compromisso com a alegria. Como Sir Toby proclama em sua primeira fala, “o cuidado é um inimigo da vida” (1.3.2-3). Mesmo o simplório Sir Andrew, apesar de enganado por Sir Toby ao gastar seu dinheiro em uma desesperançada perseguição de Olívia, parece não prejudicar sua conduta; ele ama beber na companhia de Sir Toby e pode pagar o entretenimento dele. Sir Toby nos dá algo do humor ricamente inventivo de Falstaff, outro amável cavaleiro malandro e gordo. Nesse subenredo, entretanto, as confrontações entre a felicidade e a sobriedade são mais duramente esboçadas do que no enredo principal. Ao passo que a graciosa Olívia abandona sua loucura, o obstinado Malvólio pode, apenas, ser exposto ao ridículo. Ele é o principal culpado pela polarização das atitudes, pois ele insiste em repreender à alegria dos outros. Seu nome (Mal-volio, o “mau-desejante”) implica uma autosatisfeita determinação em impor seu rígido código moral sobre os outros. Como Sir Toby o provoca, “Tu pensas que por que tu és virtuoso, não haverá mais bolos e cerveja?” (2.3.114-15). A hostilidade inflexível de Malvólio provoca um desejo por vingança cômica. O método é satírico: os espertos manipuladores, Maria e Sir Toby, inventam um esquema para ludibriar Malvólio em seu próprio autoengano. A punição adequa-se ao crime, pois ele há muito pensou a si mesmo como “Conde Malvólio,” rico, poderoso, e em posição para demolir Sir Toby e os outros. Sem a apaixonada predisposição de Malvólio em acreditar que Olívia poderia de fato amá-lo e escrever a carta que ele encontra, o esquema de Maria não teria esperança de sucesso. Ele tortura o texto para que este produza um significado adequado, muito no estilo da teologia Puritana. A convicção dele que Júpiter está com ele (2.5.169) relembra-nos da crença Puritana que a prosperidade do “eleito” é um signo da graça de Deus.
De fato, Malvólio relembra de algumas maneiras um Puritano, como Maria observa (2.3.139-47), mesmo que ela qualifique à asserção dizendo que ele não é um fanático religioso, mas alguém que segue as opiniões que prevalecem num certo momento [“time-pleaser”]. Ela direciona suas observações não para um grupo religioso, mas a todos que podem ser desmancha-prazeres; se os Puritanos são assim, ela intima, pior para eles. Essa incomum falta de caridade dá um tom ácido à vingança praticada em Malvólio, evocando de Olívia um protesto que “ele foi notoriamente o mais abusado” (5.1.379). A atrasada tentativa de fazer uma reconciliação com ele parece, entretanto, fadada ao fracasso, à luz da sua sinistra determinação em “vingar-me de todos vocês” (5.1.378). No auge de sua frustração, ele foi enganado a fazer as duas coisas que ele mais odeia: rir amavelmente e usar uma vestimenta esportiva. A aparência de alegria é tão excessivamente inadequada que ele é declarado louco e colocado sob guarda. O apóstolo da sobriedade nessa peça aparece, assim, ante nós, como um declarado louco, enquanto o bobo Feste oferece a ele sábios comentários disfarçado de padre. A sabedoria e loucura trocaram de lugar. O caráter invertido da peça é condensado no comentário lamentoso de Malvólio a Feste (não mais apresentando-se como padre): “Digo-te que estou tão são do espírito, Bobo, como tu estas” (4.2.88). O castigo merecido de Malvólio é muito merecido, mas a severidade da vingança e da contra-vingança sugere que o triunfo do festival não será longo. Essa brevidade é, claro, inerente na natureza de liberação das responsabilidades desse feriado. Como Feste canta, “O que há de vir ninguém garante; / Não há fartura na demora” (2.3.49-50).