Os Dois Nobres Parentes, aparentemente a última peça a qual Shakespeare debruçou-se, retorna a um tema que ele buscou em Os Dois Cavalheiros de Verona, uma de suas primeiras peças e, possivelmente, a primeira. Como naquela comédia anterior, dois amigos competem pela afeição de uma dama de tal forma que colocam a afetuosa amizade em um severo teste. Na peça posterior, como Bruce Smith, Jeffrey Masten e outros observaram, a famosa amizade de Palamon e Arcite é rica em insinuações sexuais as quais eles parecem inocentemente inconscientes, até que ambos se apaixonam por Emilia. “Nós somos a esposa um do outro, sempre procriando / Novos nascimentos de amor,” declara Arcite a seu próprio primo quando eles encontram-se encarcerados juntos em Atenas. “Somos pais, amigos, conhecidos; / Estamos um na família do outro; / Sou seu herdeiro, e você o meu” (2.2.80-3). O sentimento está próximo ao de Aufidius em Coriolano, quando ele diz a seu antigo amigo, Coriolano: “Porém, ao ver-te nesse momento – oh ser em tudo nobre! – mais enlevado o coração no peito sinto saltar, do que quando a soleira transpôs de casa pela primeira vez minha esposa recente.” (4.5.120-3) Isso não é para argumentar que Palamon e Arcite tornaram-se amantes na prisão. Entretanto, em sua maior exaltação, a amizade do mesmo sexo preenche o papel emocional esperado pelo matrimônio e é de fato colocado em conflito com as intenções deste.
Os Dois Nobres Parentes foi provavelmente interpretada pela primeira vez em 1613 ou 1614, e foi revisada para uma performance na corte em 1619 e aparentemente mais uma vez em 1625-1626. Os direitos foram subsequentemente atribuídos ao editor do assim chamado Fólio de Beaumont e Fletcher de 1646. A peça apareceu em uma segunda edição impressa, intitulada Cinquenta Comédias e Tragédias, Escritas por Francis Beaumont e John Fletcher, Cavalheiros, 1679 – a qual, de fato, um bom número de peças eram de Beaumont e Fletcher sozinhos, com muitas outras de Fletcher em colaboração com outros dramaturgos. A peça não aparece no Primeiro Fólio de Shakespeare em 1623 ou em subsequentes edições dessa obra. Talvez por essas razões, Os Dois Nobres Parentes foi por séculos excluída do cânon shakespeariano e é ainda apenas ocasionalmente estudada e representada. Shakespeare foi tão famoso que seu nome é frequentemente anexado com peças as quais ele não teve nenhuma parte; será que Os Dois Nobres Parentes foi uma dessas? Por que Shakespeare colaboraria se seu nome era tão bem conhecido?
Quaisquer que sejam as razões pessoais, entretanto, Shakespeare parece ter de fato feito exatamente isso. Talvez sua própria aposentadoria, aparentemente anunciada em A Tempestade, tornou-se uma semi-aposentadoria. John Fletcher era seu colega mais jovem e, com efeito, seu sucessor como dramaturgo dos King´s Men. Os dois provavelmente colaboraram na escrita de Henry VIII ao mesmo tempo, apesar que ali a evidência é menos certa e o papel de Shakespeare em qualquer caso, mais dominante. Ele parece ter colaborado com Thomas Middleton na escrita de Timão de Atenas. Antes disso, na década de 1590, Shakespeare concordara em ajudar a revisão de uma peça controversa, ao escrever uma nova cena para O Livro de Sir Thomas More, originalmente talvez de Anthony Munday e outros. O nome de Shakespeare foi ligado ao de Fletcher na autoria de uma peça provavelmente perdida, Cardênio, por volta de 1612-1613. Shakespeare era leal à sua companhia de atuação e pode ter ajudado-a com colaborações em outras ocasiões. E, como Jeffrey Masten sugeriu, o tema dominante da amizade masculina em Os Dois Nobres Parentes se oferece como um assunto adequado para autores trabalhando em colaboração.
Com base no estilo, métrica, ritmos distintivos, vocabulário, preferências linguísticas por formas como ye e ´em (ambos característicos de Fletcher), tom, caracterização, e um tipo de brutalidade (abruptness) teatral que Fletcher parece ter cultivado, muitos editores e críticos chegam a um consenso geral, não compartilhado por todos, que Shakespeare escreveu todo o Ato 1, a primeira cena do Ato 2, as primeiras duas cenas do Ato 3, cena 3 do Ato 4, e a maioria do ato final exceto a cena 2. Essa divisão daria a Shakespeare as cenas que dramatizam a determinação do Duque Theseus em defender a causa de três reis assassinados contra Creon de Tebas, o dilema de Palamon e Arcite em servir o tirano Creon e a brava derrota deles em batalha contra o exército Ateniense de Theseus, a defesa de Emilia da amizade entre mulheres, a disputa de Arcite e Palamon na floresta, depois de um ser solto por Theseus e o outro libertado da prisão pela filha apaixonada de Jailer, o desesperado lamento da filha de Jailer pela negligência de Palamon a ela, uma cena tocante na qual Jailer e um Doutor ouvem as manifestações de aflições enlouquecidas da filha de Jailer, e a longa ação conclusiva, na qual as reivindicações de Palamon e Arcite por Emilia são arranjadas pela vontade divina.
A Fletcher é então deixada a maior parte da ação do meio da peça, incluindo a surpreendente cena (2.2) na qual os encarcerados Palamon e Arcite declaram seu amor recíproco mas então caem instantaneamente em uma amarga inimizade, uma vez que ambos veem Emilia, o encontro de Arcite (depois que ele é solto da prisão) com alguns homens do campo que dizem a ele sobre jogos públicos, que Arcite resolve competir, seu sucesso em ganhar o direito de ser o “servo” de Emília, várias cenas sobre a crescente loucura da filha de Jailer, alguns subenredos amplamente cômicos nas quais o pedante mestre de escola e seus companheiros rústicos preparam uma dança Morris a ser interpretada na presença de Theseus, a determinação de Palamon e Arcite em lutar um contra o outro mesmo ao custo de serem capturados e sentenciados à morte por Theseus, a inabilidade de Emilia em escolher entre Palamon e Arcite mesmo quando parece que a escolha dela salvaria um deles da morte e ainda outras.
Mesmo um breve esboço sugere como Fletcher parecer preferir as cenas com reversos inesperados na ação na qual a plausibilidade da motivação concede precedência ao artifício teatral autoconsciente. Algumas das cenas atribuídas a Fletcher exploram a sexualidade em situações originais, como quando o Doutor aconselha o Galanteador da filha de Jailer a disfarçar-se de Palamon, por quem a filha perdeu sua espirituosidade por amor. O Doutor insiste que os caprichos dela devem ser satisfeitos em cada detalhe, mesmo se o Galanteador tiver que ir para a cama com ela. Quando o pai protesta que o casamento deve vir antes da realização sexual, o Doutor é brusco com uma ideia recatada: “Nunca abandone sua criança por honestidade [castidade],” ele adverte (5.2.22). Essa divertida exploração de uma situação erótica é característica de Fletcher. O Prólogo e o Epílogo são quase certamente dele.
Qualquer que seja o modo de colaboração na escrita de Os Dois Nobres Parentes, Shakespeare e Fletcher escolheram dramatizar uma história dos Contos de Cantuária de Chaucer, a história do Cavaleiro, que fala sobre amizade nobre. Palamon e Arcite são primos e amigos devotos, “mais prezado em amor do que em sangue” (1.2.1). Quando os vemos pela primeira vez, eles estão considerando qual orientação a amizade deles pode prover no mundo corrupto de Tebas. Sob o governo do tio deles, Creon: “o maior tirano solto” (linha 63), Tebas é um lugar de tentação carnal e favoritismo político. O comportamento virtuoso deles os torna estranhos e sujeitos a zombaria. “Não ser trapaceiro / Como eles são aqui é ser estranho” (linhas 40-1), Arcite insiste, e ainda a alternativa de nadar no “rio comum” seria suficiente para torná-los “meros monstros” (linhas 10,42). Eles decidem não imitar os maneirismos e as vestes de seus contemporâneos e anseiam pela guerra como um meio de purgar a sutileza enervante da paz. Ainda que a guerra, quando ela ocorre, fornece apenas outro dilema, por ação militar em suporte a um tirano que mina a própria razão pela qual eles desejam lutar. Finalmente, a chamada ao dever militar prevalece, e eles são capturados pelo exército Ateniense de Theseus depois de terem vencido a todos os outros em batalha.
A ternura mútua entre os primos não é o único estudo nessa peça de amizade sob coerção. Duque Theseus de Atenas e seu general, Pirithous, são amigos na tradição de Alexander e Hephaestion, Damon e Pythias, e outras figuras da lenda clássica e histórica. Pirithous é renomado por ter descido ao Hades com Theseus para ajudar carregar Persephone. “Como seu anseio / Segue seu amigo!” exclama a cunhada de Theseus, Emilia, quando ela vê Pirithous partir ansiosamente para ingressar na campanha militar de Theseus contra Tebas (1.3.26-7). Atrasado pelo comando de Theseus que ele veja às cerimônias que interromperam a guerra, Pirithous não pode devotar toda sua energia aos assuntos da paz; seu coração está com Theseus no campo de batalha. A noiva de Theseus, Hippolyta, concorda com sua irmã Emilia: Theseus e Pirithous compartilharam tantos perigos, ela diz, que “O nó do amor deles, / Forte, trançado, emaranhado…Pode provar-se obsoleto, nunca desatado” (linhas 41-4). Como sempre é o caso nesses debates convencionais entre amizade e amor, ou amor e honra, as reivindicações rivais testam a amizade para provar sua durabilidade. A lealdade de Pirithous a Theseus supera todas as outras considerações.
Emilia e Hippolyta, como irmãs, discutem a amizade entre mulheres, comparando-a com a amizade entre homens. “A deles têm mais base,’ concede Emilia, “é mais temperada com madureza, / Mais atada com forte julgamento.” Ademais o próprio amor de Emilia pela falecida Flavina, amiga de infância, tinha qualidades de inocência, de devoção mútua à castidade, e de entrelaçamento de almas que os homens aparentemente não podem alcançar. “Como os elementos / Que não sabem o que nem por que, ainda assim afetam / Questões raras por sua operação, nossas almas / Fazem isso uma com a outra,” Emilia recorda. O gosto delas era indistintamente idêntico; o maneirismo e as vestimentas eram tão parecidos que ninguém poderia distinguir quem iniciou a moda. A conclusão de Emilia é que o “verdadeiro amor entre mulher e mulher pode ser / mais que no sexo dividido” – isto é, entre pessoas de sexo oposto (1.3.55-82). No começo, então, ambos os homens e as mulheres nessa peça encontram-se ligados a uma pessoa do mesmo sexo de forma mais perfeita e gratificante que o amor heterossexual. A situação relembra Sonho de uma Noite de Verão, onde o Duque Theseus daquela peça também casa-se com Hippolyta, Rainha das Amazonas. A própria imagem de uma dama amazona é de uma mulher armada para se defender contra os homens.
Esses tópicos familiares de amor versus honra e a batalha entre os sexos, eloquentemente colocados por Shakespeare no primeiro ato, inevitavelmente levam à complicações e testes no segundo e terceiro atos. Mesmo no primeiro ato, as escolhas devem ser encaradas em termos do código cavalheiresco de honra. Theseus, prestes a se casar com Hippolyta, porém solicitado por três viúvas a vingar a desonra contra seus reais maridos cometida por Creon, adia sua felicidade no casamento para marchar contra Tebas. Pirithous deve reconciliar o chamado para o dever com o anseio de estar com Theseus no campo de batalha. Palamon e Arcite buscam formas de justificar o serviço militar deles em suporte a um tirano e um estado corrupto. Emilia anuncia sua resolução de viver e morrer virgem, enquanto sua irmã Hippolyta decide ir em frente com seu casamento com Theseus, em um debate entre irmãs que nos relembra Luciana e sua irmã casada Adriana em A Comédia dos Erros.
A estratégia teatral de Fletcher nos atos centrais da peça é submeter essas polaridades convencionais de amor e honra a reviravoltas surpreendentes e improváveis nos eventos; Na prisão onde Palamon e Arcite permanecem negligenciados depois da captura deles pelo exército de Theseus, a filha de Jailer apaixona-se imediatamente e desastrosamente por Palamon, apesar de ela prontamente conceder que Arcite é tão belo quanto (2.4.16) e que “Casar com ele [Palamon] é sem esperanças, / Ser sua prostituta é estúpido” (linhas 4-5). Os dois jovens homens, resolvendo da melhor forma estoica aceitar o aprisionamento como uma maneira de repudiar um mundo mal e confiando na própria amizade deles, imediatamente entram em conflito quando Emilia aparece no pátio abaixo da janela deles (2.2.1-284). Palamon reivindica precedência porque ele viu Emilia primeiro. Considerando que eles antes tomavam as mulheres como “O veneno de espíritos puros” e pior que uma distração (linha 75), eles agora devotam suas lealdades para o amor e olham um ao outro como vilões que merecem morte imediata. Nenhum dos dois falou uma palavra com a dama em questão.
O padrão de artifício teatral extravagante continua a desdobrar-se. Uma vez que Arcite é solto da prisão, por alguma razão inexplicada, e banido de Atenas (linhas 251-2), seu único desejo é retornar em algum disfarce para ficar próximo de Emilia; por outro lado, Palamon é libertado pela filha de Jailer, doente de amor, a um considerável risco a si própria e seu pobre pai, porém a única esperança de Palamon é ver Emilia novamente. Quando os dois primos encontram-se ao acaso na floresta próxima a Atenas (outra alusão a Sonho de uma Noite de Verão), a violenta determinação de destruir um ao outro é comicamente mediada pela solicitude de cada guerreiro que o outro esteja propriamente armado. O alarde hiperbólico, as coincidências inesperadas, a falta de motivações plausíveis é altamente teatral e autoconsciente de uma maneira característica não somente das outras peças de Fletcher, mas do drama Jacobita nos anos 1610 e também da própria obra final de Shakespeare.
Ao longo da peça, os personagens principais operam em resposta a um código de comportamento aristocrático que é evidentemente adequado a uma peça sobre o cavalheiresco heroico. Arcite, disfarçado como quem compete no “entretenimento” planejado para Theseus e sua corte (2.3.78), amplamente demonstra suas “nobres qualidades” a todos que o veem, mesmo se o supõem estrangeiro. “Seu corpo / e flamejante mente ilustram um bravo pai,” diz Hippolyta; isto é, ele detém descendência nobre (2.5.21-2). Ele fala bem: “Todas suas palavras são valiosas” (linha 29). Com modéstia e sprezzatura habilmente adequadas à sua posição nobre, ele alega conhecer bem as atividades aristocráticas da falcoaria e da caça, e, principalmente, a equitação. “Eu ouso não louvar / Minhas façanhas na equitação,” diz, “ainda que aqueles que me conhecem / diriam que é minha melhor parte” (linhas 11-14). Em outro lugar, como frequentemente é o caso em Shakespeare, a equitação é um sinal claro de procedência aristocrática, como quando Pirithous descreve Arcite como hábil para segurar sua sela “bravamente” mesmo em um cavalo vicioso que eventualmente tomba para trás e esmaga o cavaleiro (5.4.48-84). Arcite é “o mais bravo cavaleiro / que já esporou um nobre corcel” (5.3.115-16). A insistência de Palamon e Arcite em duelar, mesmo sob o risco do julgamento da lei é outra marca da nobreza inerente a eles, mesmo se a peça também dramatize o conflito entre aquele código aristocrático do duelo e a insistência de Theseus (refletindo a política oficial Elisabetana e Jacobita) que os confrontos deviam ser enviados à autoridade do estado (3.6.132 ff.). Os seguidores de Palamon e Arcite no combate de julgamento climático no Ato 5 são descritos elaboradamente como merecedores de suas grandezas, com “todo o ornamento da honra” da aparência exterior deles e comportamento; eles “são todos os filhos da honra” (4.2.75-141). Theseus, também, é governado por um código de honra aristocrático, e sua resolução final em permitir a Palamon e Arcite resolverem suas diferenças em uma arena pública patrocinada pelo estado, através de um julgamento por combate, é apresentada como uma solução adequada para conflitos cavalheirescos.
Mesmo a comédia desta peça, principalmente de Fletcher, é bem apropriada às pressuposições aristocráticas do roteiro principal. Os camponeses que dizem a Arcite sobre os entretenimentos na qual ele pode competir para ganhar as gentilezas de Theseus e Emilia são homens rústicos, os quais os maneirismos rudes são contrastados a todo o momento com os de Arcite. A conversação deles é frequentemente sobre sexualidade, sobre esposas ciumentas que devem ser “embarcadas” (boarded) e “guardadas” (stowed) de forma apropriada, sobre as “prostitutas” (wenches) as quais eles irão dançar perante o Duque, e assim por diante (2.3.25-66). Como o herói do naufrágio em Péricles, que similarmente obtém de camponeses pobres um meio de competir nos jogos da corte como um estrangeiro, Arcite está comprometido com esses caipiras de boa natureza e imensuravelmente acima deles em graças nobres. “Esse é um belo colega,” um deles reconhece (linha 79). O pedante Mestre escolar Gerald, com seus latinismos tediosos, que apresenta a dança Morris perante o Duque, relembra a nós o Mestre Holofernes em Trabalhos de Amor Perdidos e Peter Quince em Sonho de uma Noite de Verão; de fato, o empreendimento de planejar uma peça dentro da peça, testemunhada por uma divertida audiência crítica no palco, é uma miscelânea de motivos de Shakespeare. A linha do roteiro da entristecida filha de Jailer, às vezes cômica, outras vezes tocante, empresta elementos da fala enlouquecida de Ofélia em Hamlet e da cena do médico que ouve atrás da porta os delírios da sonâmbula Lady Macbeth em Macbeth. A música da filha de Jailer, “Willow, willow, willow” (4.1.80) aparece como alusão explícita à música de Desdêmona em Otelo. Em cada ponto, o material do sub-roteiro da peça parece pretender refletir através da paródia e do exagero cômico os temas heroicos do amor versus honra e a mostra da nobreza cavalheiresca. Ao mesmo tempo, a representação da peça da loucura e do desejo erótico é séria e mesmo analítico, da mesma forma que loucura e desejo aparecem juntos na representação de Hamlet da delirante Ofélia.
A encenação é apropriadamente cerimonial e elaborada. A peça abre com uma procissão liderada por Hymen, deus do casamento, e inclui um séquito da corte de Theseus, sua futura noiva, e outros, todos cuidadosamente vestidos com fantasias e guirlandas simbólicas de seus papéis cerimoniais. Um menino canta um hino para o amor e o casamento. A interrupção dessa grande entrada pelas três viúvas suplicantes aponta para os tipos de conflitos que continuarão a desafiar os ideais cortesãos de amor perfeito, amizade e honra. A batalha entre Tebas e Atenas e as disputas atléticas são decorosamente conduzidas fora do palco (1.4.0.1-5, 2.5.0.1-3), mas as entradas de Theseus e outros dignitários continuam a ser anunciados pelas cornetas e outros floreios. Repetidas reverências enfatiza a estrutura hierárquica da corte Ateniense e a obediência que Theseus espera de sua autoridade. A música acompanha os cerimoniais de sepultamento planejados para os três reis mortos (1.5.0.1-3). O edifício do teatro é usado completamente, como quando Palamon e Arcite aparecem na prisão “acima” (2.0.51.1) e olham abaixo para Emilia no palco principal, colhendo flores em um jardim adjacente à prisão. Os sons das cornetas são ouvidos de várias direções para significar a celebração do Dia de Maio (3.1.0.1-2). [May Day, o primeiro de Maio é comemorado no hemisfério norte com festivais de primavera e feriados públicos]
As portas são usadas para sugerir locais: Palamon entra presumidamente na floresta: “como se em um arbusto” (3.1.30.1), e Palamon e Arcite entram para o combate final em portas opostas (5.1.7.1-2). Uma dança Morris dá oportunidade para numerosos personagens exóticos fantasiados, incluindo um macaco, o Senhor e a Senhora de Maio (isto é, Robin Hood e Maid Marian), a Camareira, o Serviçal, o Taberneiro e sua Esposa obesa, o rústico camponês chamado Palhaço, e o Bobo (3.5.128-35). A dança em si é um entretenimento das classes baixas difícil de recapturar através da leitura da peça, e certamente requer música, incluindo um tambor ou um músico com flauta e percussão. Palamon e Arcite lutam um duelo de armadura completa; o diálogo faz muito do trabalho de palco enquanto eles se vestem para a batalha (3.6.16-131).
O último ato da peça é especialmente cerimonial, como se se apoiasse na cerimônia como uma linguagem visual de encerramento. Palamon e Arcite são trazidos para o palco em portas diferentes no início do Ato 5 para “suavizar suas preces sagradas” ante os deuses, pedindo pelo julgamento divino na contenda entre eles. Primeiro Arcite e então Palamon aproximam-se do altar de seus respectivos patronos imortais, Marte e Vênus. A encenação é incerta. Possivelmente um altar está virado para o altar de Marte e Vênus, e então para Diana quando Emilia implora pela assistência dos deuses; o complicado jogo de palco requer um alçapão, o qual o teatro que a peça foi apresentada deveria ter apenas um. Ademais, é bem possível que três altares estivessem em cena de uma só vez, dando o sentido antitético, equilibrado e simbólico do local que o último ato demanda. O altar de Marte responde às súplicas de Arcite com “ressoar a armadura, com um curto relâmpago” (5.1.61.2) em um sinal auspicioso que Marte permitirá a Arcite a ascendência desejada. Palamon e seus seguidores ouvem “música” no altar de Vênus e veem pombas (linhas 129.1) como um “justo sinal” de verdade no amor. O cerimonial de Emilia no altar de Diana é o mais elaborado, requerendo “música calma”, guirlandas e flores, e uma “corça prateada, que transmite incenso e odores doces.” O sacrifício, ao ser aceso o altar faz “a corça sumir abaixo do altar, e no lugar cresce uma roseira, contendo uma rosa nela.” Essa rosa subsequentemente cai de uma árvore com o acompanhamento de um “repetido som de instrumentos” (linhas 136.1-8, 168.1-2). Essas ações simbólicas, significando que a virgindade produzirá pureza para a realização do amor erótico, demanda os serviços de um alçapão, mas as primeiras duas cerimônias não necessitam. Talvez então o altar de Diana é colocado no centro, com as representações da guerra e do amor em cada lado. Essa configuração daria confirmação visual para o movimento do último ato na direção de uma reconciliação na qual as demandas aparentemente competidoras de poderio militar, eros, e negações castas são finalmente atribuídas a seus papéis respectivos no cerimonial de coroação e casamento. A encenação assim encarna a antítese dessa peça cavalheiresca ao justapor visualmente o masculino e o feminino, amizade e amor, amor e honra e ao buscar um modo de unir esses opostos.
Qualquer que seja a parcela de contribuição de Shakespeare, Os Dois Nobres Parentes mostra muitas das características do Shakespeare de maturidade, não somente na liberdade do verso, com suas linhas corridas e efeitos hiper-métricos, mas também com a fascinação da peça pelo roteiro romântico. A peça que Shakespeare e Fletcher recriaram a partir de uma antiga história de Chaucer retrata os ideais cavalheirescos através do meio do artifício teatral. Como Péricles, o qual o narrador é o contemporâneo de Chaucer, John Gower, Os Dois Nobres Parentes volta a uma exótica e improvável ficção medieval onde o adorno e a imaginação podem fazer o trabalho da transformação teatral. A encenação é elaborada, especialmente no final, como em Cimbelino. Os deuses intervêm diretamente na conclusão da peça, como nos últimos romances (apesar de os deuses em A Tempestade serem invenções de Próspero).
Assim como no grupo dos romances, pede-se a aproximação da audiência, em um espírito de maravilhamento combinado talvez com desapego irônico, em uma obra que é teatralmente autoconsciente em sua representação de efeitos supernaturais. Os deuses têm seus papéis em Os Dois Nobres Parentes. Os protagonistas humanos permanecem espantados com a liberação do pior em si mesmos. Palamon e Arcite, em suas tentativas perversas mas nobres de destruir um ao outro por amor, realizam a vontade do destino que é revelado a eles nos altares de Marte, Vênus e Diana: o bravo Arcite está para morrer no lombo de um cavalo, o amante Palamon está para ganhar a dama Emilia, e ela está para encontrar a felicidade do casamento enquanto preserva seu ideal de um casamento casto. O final é forçado a um surpreendente grau, que depende de um acidente físico; e ainda não é mais arbitrário que o final de Cimbelino. O que parece acidente aos meros mortais é visto finalmente pelos protagonistas da peça como parte de um desígnio mais profundo dos céus. “Ó encantadores dos céus” Theseus clama aos deuses em um final córico, “Que coisas vocês fizeram de nós! Pois o que nos falta / Sorrimos, pois o que temos são desculpas, ainda / São crianças de alguma forma.” A conclusão de Theseus disso é de uma aceitação devota: “Deixe-nos ser agradecidos / Por aquilo que é” (5.4.131-5). A audiência, mesmo enquanto abertamente encorajada a ver a estrutura romântica da peça como artifício teatral, é também convidada a ponderar quais ideologias mais profundas podem estar encarnadas na descrição de Shakespeare e Fletcher da arte dramática como padrão, ordem, ornamento, invenção e visão.
Os Dois Nobres Parentes tem sido vista nos palcos apenas ocasionalmente, mais nas recentes décadas que nos séculos anteriores. As produções tendem a focar nas qualidades de contos de fadas da peça, sua fascinação com ambiguidades sexuais e sua propensão pela surpresa teatral. Uma versão francesa, Deux Nobles Cousins, do Centro Dramático de Courneuve em 1979, dirigido por Pierre Constant, viu a peça como um debate estendido entre o amor homossexual contra o amor heterossexual. Barry Kyle, dirigindo a peça em 1986 pela Royal Shakespeare Theatre, escolheu uma decoração amplamente Japonesa para enfatizar uma cultura cavalheiresca de guerreiros fechados em códigos antigos de honra. Theseus tem sido às vezes visto como uma figura de autoridade problemática e tirânica, intimidando Emilia a fazer a difícil escolha entre Palamon e Arcite. A filha de Jailer aparece como talvez a mais convincente personagem da peça, com sua sexualidade franca e seu páthos que relembra Ofélia.