“Macbeth” é uma das grandes tragédias escritas pelo poeta, dramaturgo e ator William Shakespeare (1564-1616). Seu personagem principal é um general escocês vitorioso que, ao acreditar nas profecias de três feiticeiras que encontra em seu caminho, decide matar seu soberano e usurpar-lhe o trono.
“Macbeth” é a tragédia da ambição desmedida pelo poder, não só do general, mas também de sua mulher, a pérfida senhora Macbeth, que o auxilia na lúgubre empreitada. À ambição segue-se o crime, o remorso e a morte de seus principais protagonistas.
O conhecido preparador físico Nuno Cobra, autor de “A Semente da Vitória”, dedica à importância do sono todo o capítulo V de seu livro. Somos o que dormimos, ensina ele. Muitos desconsideram este sábio conselho e chegam a achar que, frente às exigências da vida moderna, dormir é uma perda de tempo. Como resultado, pagam um preço elevado, em danos à saúde que se acumulam ao longo do tempo. Não só atletas se beneficiam com um sono disciplinado. Trabalhadores intelectuais também precisam dele, para que o corpo possa se recuperar do desgaste diário e o inconsciente processe adequadamente toda a carga de informações recebida durante o dia.
Há muitas referências ao sono em Macbeth. A primeira delas é a praga de uma das feiticeiras contra o marido de uma mulher que se negara a compartilhar as castanhas que tinha no regaço: “Vou drená-lo até ficar seco como o feno:/ Ficará com sono de noite e de dia,/ sem conseguir pregar o olho;/ Viverá como um maldito” (I will drain him dry as hay:/ Sleep shall neither night nor day/ Hang upon his penthouse lid;/ He shall live a man forbid) (1.3).
Os estranhos pressentimentos de Banquo, à noite, no castelo de Macbeth, deixaram-no insone: “O sono me pesa como chumbo/ e mesmo assim não consigo dormir. Poderes misericordiosos,/ restrinjam em mim os pensamentos malditos aos quais a natureza/ dá passagem no meu repouso” (A heavy summons lies like lead upon me,/ And yet I would not sleep. Merciful powers,/ Restrain in me the cursed thoughts that nature/ Gives way to in repose!) (2.1).
Macbeth, na noite da morte do rei Duncan, teve a impressão de ouvir uma voz gritar: “Macbeth nunca mais dormirá” (Macbeth shall sleep no more) (2.2).
Após o desafortunado banquete durante o qual apareceu o fantasma de Banquo, a senhora Macbeth aconselha uma restauradora noite de sono ao marido: “Falta a você a cura de todas as criaturas: o sono” (You lack the season of all natures, sleep) (3.4).
O sono só foi prejudicial para os camareiros do rei Duncan. Segundo o nobre Lennox, eles “estavam escravos da bebida e prisioneiros do sono” (That were the slaves of drink and thralls of sleep) (3.6). O cavalheiro que acompanha este último tem esperança na volta do país à normalidade, para que possam “dar o alimento às nossas mesas e o sono às nossas noites” (Give to our tables meat, sleep to our nights) (3.6).
As feiticeiras sabem que até o sapo precisa de sono para segregar bem seu veneno: “Sapo, que sob a pedra fria/ trinta e um dias e noites/ segregou veneno enquanto dormia,/ ferva primeiro no caldeirão encantado” (Toad, that under cold stone/ Days and nights has thirty-one/ Swelter’d venom sleeping got,/ Boil thou first i’ the charmed pot) (4.1).
Após a segunda aparição, ao saber que “ninguém nascido de mulher/ poderá fazer mal a Macbeth” (none of woman born/ Shall harm Macbeth) (4.1), ele se sente aliviado e pensa em dormir em paz: “Então, que viva Macduff. Por que devo temê-lo?/ No entanto, vou fazer da segurança uma certeza dupla,/ e um acordo com o destino: você não viverá,/ para que eu possa dizer ao meu coração pálido de temor que ele mente,/ e dormir apesar do trovão” (Then live, Macduff. What need I fear of thee?/ But yet I’ll make assurance double sure,/ And take a bond of fate: thou shalt not live,/ That I may tell pale-hearted fear it lies,/ And sleep in spite of thunder) (4.1).
O problema da senhora Macbeth, no entanto, não era de falta de sono, conforme observou seu diligente médico: “Uma grande perturbação da natureza, receber/ o benefício do sono e agir como se estivesse em vigília” (A great perturbation in nature, to receive at once the/ benefit of sleep and do the effects of watching!) (5.1).
Em \”Dom Quixote\”, de Miguel de Cervantes, o escudeiro Sancho Pança também faz um belo elogio ao sono numa de suas muitas discussões com Dom Quixote, que se gabava de passar as noites velando: “bem haja quem inventou o sono, capa que encobre todos os pensamentos humanos, manjar que tira a fome, água que afugenta a sede, fogo que aquece o frio, frio que tempera o ardor; e, finalmente, moeda geral com que todas as coisas se compram, balança e peso que iguala o pastor ao rei e o simples ao inteligente” (bien haya el que inventó el sueño, capa que cubre todos los humanos pensamientos, manjar que quita la hambre, agua que ahuyenta la sed, fuego que calienta el frío, frío que templa el ardor, y, finalmente, moneda general con que todas las cosas se compran, balanza y peso que iguala al pastor con el rey y al simple con el discreto) (Livro 2, Capítulo 68).
Como se vê, dois escritores do século XVII compartilhavam uma mesma visão dos benefícios do sono, muito semelhante à de um afamado preparador físico de nossos dias.
Referências bibliográficas
1 – SHAKESPEARE, William. The Complete Works of William Shakespeare. Londres: Oxford University Press, 1935. 1352p.
2 – Miguel de Cervantes, Don Quijote de la Mancha, edição de André Amorós, Espanha, Madri, Ediciones SM, 1999.
3 – RIBEIRO, Nuno Cobra. A semente da vitória. 34. ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002. 223p.